domingo, 29 de abril de 2012

Nazareno Cruz y el Lobo - 1975

Meus dois primeiros posts, quando ainda hesitava sobre a falta de uma linha a seguir do blog, foram sobre filmes argentinos, o que, inclusive, levou-me a debochar de mim mesmo em um dos textos. Lendo ontem no metrô uma matéria interessante em um jornal sobre o cinema brasileiro e a crescente perda de público, foi lembrado que o último grande sucesso foi “Cidade de Deus” com 3 milhões de espectadores. Coincidentemente eram estes os mesmos números do filme argentino que relembro agora, quando pesquisava sobre ele para escrever esta resenha. Habitualmente é um dado que considero irrelevante, até por que escolho filmes de pouca memória, pelo menos aqui em Pindorama, e quase todos foram , ao que tudo indica, fracassos na bilheteria. O que realmente não tem importância. Este é portanto, ironicamente, o meu primeiro blockbuster que irei lembrar: 3 milhões de espectadores em 1975, somente na Argentina. A pequena Argentina que devia ter a população do estado de São Paulo ou menos, talvez. Não pesquisei este dado geográfico. E o que espanta não são os números, mas a qualidade artística do filme. E aí sim dá o que pensar e poderia aqui ficar divagando sobre o nível intelectual do povo argentino em relação a nós. Mas não ficarei aqui comparando os dois países. Mas que não me perguntem o que acho do cinema praticado hoje no Brasil, por favor. E quanto ao portenho, minha predileção vai mais para os cineastas populares e extremos como Armando Bó, Vieyra e Hugo Santiago entre outros, alguns dos quais até já relembrei filmes aqui. E sendo assim sobre o atual cinema de lá meu conhecimento é escasso igualmente, e muita coisa que vi mais recente não achei assim tão espantoso. Mas de qualquer maneira, bem melhores que nossos produtos despejados vez ou outras nos cinemas de shopping. Mas voltemos à história dos subúrbios, ou melhor ,ao meu filme do diretor Leonardo Favio. Um cara curioso, singular: imaginem se o rei Roberto se metesse a fazer filmes, e bons ainda por cima, de uma hora para outra? Foi o caso dele: paralela à carreira de cineasta se dedica(ainda), com sucesso à música romântica. Peronista assumido esteve exilado durante uma década regressando à terra natal em 1987.
E a maldita ditadura está no cerne desse filme. Nas palavras de Favio: “Este filme nasceu quando o país se debatia em saber quem eram os bons, quem eram os maus, todos discutiam se era peronista, se era de esquerda ou de direita, o que escolher e o amor estava perdido. Naquela época eram todos mesquinhos. A história de Nazareno me pareceu uma boa metáfora. É um filme que parte da minha ingenuidade de pensar que passando mensagens eu poderia apaziguar os ânimos”. Inspirado em uma peça radiofônica de Juan Carlo Chiappe. Narrada por Lúcifer em pessoa. Uma fábula cósmica e mítica que vai além do da recriação do mito licantrópico: metáfora da vida de Cristo. Nazareno nasce sob a maldição de ser o sétimo filho de um sétimo filho. E o diabo aparece e lhe faz uma oferta: todo o poder e a riqueza ao invés do amor que sentia por Griselda. Símile do episódio evangélico da tentação no deserto quando o diabo oferece a Cristo toda a riqueza e poder do mundo. Nazareno escolhe o amor e aceita o peso da maldição de se tornar a cada sete dias um lobisomem. Épico, brutal primitivo, romântico e popular. Na tragédia de Nazareno e Griselda temos o dionisíaco em uma plástica cinematográfica exuberante que não titubeia em recorrer ao kitsch quando necessário. Realismo mágico que parte das tradições populares e mitos ancestrais gauchescos e indígenas. Uma boa analogia talvez: o cinema do georgiano Paradjanov, e do polonês Zulawski . Antropologia transfigurada pela poesia. Um filme que não perdeu nem um pingo da sua força tantos anos passados e que merecia 3, 4, 5, 6 milhões de espectadores aqui e em todo lugar sempre.O detalhe é que o recorde de público do filme só foi quebrado pelo sucesso recente "El Secreto de sus Ojos".

quinta-feira, 26 de abril de 2012

La Sorcière - 1956

Já comentei aqui motivos pelos quais muitas vezes busco um filme. Uma atriz bonita é um motivo razoável e forte, por exemplo.Marina Vlady é uma dessas:uma atriz capaz de iluminar qualquer filme. Vou até rever um Godard onde ela atuou. Godard podia ser meio mala às vezes, mas sabia que um filme sem mulher bonita não funcionava e por mais chato que fosse o assunto do filme sempre colocava uma bela mulher em cena. Malandro ele. Nem vi muitos filmes com esta francesa de origem russa e que atua desde os anos 50. Mas dia desses vi um bom filme italiano – “La Raggazza in Vetrina”- estrelado por ela e tive a curiosidade em conhecer mais a sua filmografia. Minha intenção era até no fim das contas comentar o filme, aliás, e ainda o farei, pois é bem legal , inclusive, teve uma mão de Pasolini no roteiro e direção coube a Luciano Emer. Mas deixemo-lo para depois e voltemos ao filme motivo da resenha. Película que ,no caso , me chamou a atenção na filmografia da atriz, pelo tema – paganismo versus cristianismo em um universo rural - e resolvi procurá-lo. Logo me frustrei: o filme não tinha no cinemageddon, porto seguro de filmes raros, e até achei uma cópia no You Tube. Maravilha, mas quando fui checar descobri que era uma cópia falada em alguma língua eslava e sem legendas. Danado, não? E o óbvio eu não havia tentado: procurar pelo google. E não é que tinha um torrent com seeds no Pirate Bay? Enfim a feiticeira difícil me chegava às mãos. Falado em sueco, mas legendado em inglês e sabe-se lá por que em russo em determinadas cenas, nada que atrapalhasse. A produção é franco-sueca, daí a cópia nessa situação. Existe em DVD na civilização e, provavelmente ,em cópia perfeita e falado em francês.Ainda consigo-a. O diretor André Michel só dirigiu dois longas para o cinema, o resto da carreira na TV. Curioso considerando-se a modernidade do filme e a boa mão que demonstra na mise-en-scène . O cinema francês pré nouvelle-vague costumava ser dominado pela pompa, a afetação, com as exceções clássicas de Robert Bresson e Renoir, entre outros que não me ocorrem agora.
Não é o caso aqui, felizmente.No mesmo ano desse filme era lançado para o mundo Brigite Bardot em “E Deus Criou a Mulher “ de Roger Vadim. Vlady ,já estava na estrada há algum tempo, mas tentaram torná-la outra BB,o que ela não engoliu. Mas voltemos ao meu filme onde ela, deslumbrante e mais bela do que nunca, é Ina: ninfa, bruxa, deusa dos bosques ou uma simples camponesa?Adaptado de um romance do russo Alexander Kuprin, escritor de escassa repercussão em Pindorama. Maurice Ronet, ainda um ator emergente, no papel de um jovem engenheiro civil que é designado para um trabalho nos cafundós da Suécia. Uma aldeia primitiva isolada, de religiosidade quase pagã e marcada pela superstição .Depois de se perder na floresta, cair em um poço de areia movediça, é salvo por uma velha, tida pelos aldeões como bruxa e que vivia isolada com a neta Ina. Pagãs, incultas, e rejeitadas ambas. Para eles, a moça era a filha do diabo e teria poderes malignos. O cristianismo brutal e medieval contra os resquícios do paganismo. O engenheiro se enamora da jovem e procura ensinar-lhe os mistérios e maravilhas da civilização moderna. No entanto a rejeição dos moradores ao relacionamento é dura e leva à tragédia previsível.O filme sugere que a jovem bruxa teria realmente alguns poderes mágicos o que torna ainda mais interessante o contexto da trama. O mito cinematográfico da bela selvagem , que geraria até uma sub-gênero B, pode ser entrevisto aqui. A beleza da fotografia, a atmosfera nórdica quase onírica das paisagens selvagens empresta ao filme um sabor de lenda romântica e uma aura mítica. Suponho que André Michel buscou inspiração nos filmes da primeira fase de Bergman - nos anos 50 - e, talvez pelo fato de ser uma adaptação de uma obra russa, há algo também de eslavo que emana das imagens. Em suma: um filme mais nórdico e eslavo que francês, no fim das contas. O filme obteve o Urso de Prata no festival de Berlim.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Android - 1982

No mesmo ano do badalado e hoje clássico ” Blade Runner “ era lançada esta interessante ficção-científica, que, no entanto não obteve a mesma sorte na posteridade em termos de prestígio que aquele obteve. Mas recebeu elogios na época de gente como George Lucas, que o classificou de inteligente e relevante. Um orçamento ínfimo e filmagens que duraram apenas quatro semanas. No elenco um nome de peso: o ator Klaus Kinski. Mas a produção modesta, com efeitos primários e cenários roubados de alguma produção maior se não conseguiu estragar o filme, talvez tenha impedido maior repercussão. Para se ter uma ideia da tosqueira da produção sem muito esforço o espectador pode até ver algum microfone pendurado no canto da tela. Com todos estes defeitos ainda assim, no meu ponto de vista, um exemplo perfeito de que uma boa e inteligente história pode driblar as carências técnicas. Estamos no ano de 2036. Um androide Max 404(Don Keith Opper) e um cientista esquisito, Daniel (Kinski), com um quê de Dr. Frankenstein, sozinhos em uma estação espacial próxima à Terra. Três criminosos fugitivos buscam refúgio na estação. Um deles, uma mulher, perturba o androide que nunca havia visto uma. Projetado pelo cientista estava destinado a ser desativado, pois outro modelo mais eficiente a caminho: uma mulher, na verdade. Muitos sonhos povoavam a mente cibernética do androide
Seu tempo livre na estação era ocupado em assistir antigos filmes – entre os quais “Metrópolis” de Lang -, ouvir soul music sixtie e o sonho de conhecer nosso planeta. Apaixonado pela mulher ele passa a ajudar os criminosos na estação. Mas a trama vai muito além e reserva boas viradas até o final surpreendente. É curioso pensar que o final sugere involuntariamente que o filme poderia ser um episódio do citado primo rico “Blade Runner”, algo assim como a história dos androides antes deles chegarem ao nosso planeta. Outro aspecto que chama atenção é o humor que vai até nos créditos: o ator que interpreta o Max 404 não é citado e é indicado que ele seria um androide realmente. Um dos roteiristas, aliás, é o ator que o interpreta. Boa trilha de Don Preston, que em alguns instantes lembra a de Vangelis para “Blade Runner”. O diretor Aaron Lipstadt, foi “cria” de Roger Corman, mas depois de dois longas optou pela TV, onde construiu uma sólida carreira. A produtora do filme a New World Pictures, de propriedade do citado Roger Corman. A boa dica: o filme tem completo no YouTube e vale a conferida.

sábado, 21 de abril de 2012

Retorno a la Juventud - 1954

Não resisto em relembrar mais uma vez outra pérola do cinema mexicano com este filme dirigido por Juan Bostillo Oro. A indústria de cinema do país primava pela excelência em todos os quesitos, mas principalmente no gênero fantástico e terror. Muitos desprezam, e daí? Os filmes da Universal dos anos 30 e 40 deixaram marcas profundas nos cineastas locais, que emularam com êxito o clima daqueles filmes. Vampiros, lobisomens e outros monstros tornaram-se figurinhas carimbadas. E muito antes da Hammer e dos italianos eles demonstravam competência e talento em criar atmosferas góticas. Não sei se pelo fato dos inúmeros refugiados europeus, que buscaram refúgio por lá nos anos pesados da guerra civil na Espanha e a segunda-guerra mundial – basta lembrar o nome do gigante Luís Buñuel – a influência do surrealismo e até do expressionismo foi outra marca forte em muitos filmes. Este que relembro é um bom exemplo de um fantástico longe dos clichês dos filmes de terror explorados habitualmente. Há algo nele dos clássicos americanos “Portrait of Jennie “ e “ The Devil and Daniel Webster”, ambos do diretor William Dieterle, e elementos de filmes de Cocteau e L’Herbier.
Assim como o citado filme de Dieterle , que aliás resenhei aqui há algum tempo no blog, este é uma recriação, até mais fiel, da lenda de Fausto. Juan Gaudio (Enrique Rambal) um professor de psicologia já idoso, que recebe a visita de uma jovem e linda aluna e entusiasmado confunde as coisas, avança o sinal e é humilhado por ela. Surge o diabo e lhe oferece a possibilidade do retorno à juventude, em troca, é óbvio da alma, e mais uma condição: teria o amor de todas as mulheres que quisesse, mas não poderia se apaixonar. Fausto, Don Juan, e toques de Dorian Gray, o personagem do livro de Oscar Wilde. Afinal o velho infeliz retorna à juventude na figura do quadro na parede que o retratava jovem. O que chama a atenção no filme é a excelência da cinematografia: esplêndida fotografia, personagens movendo-se em apenas três cenários artificiais: um exemplo perfeito do talento dos mexicanos para criar uma atmosfera de irrealidade, fantasmagórica e onírica. O diretor foi figura importante no cinema mexicano com uma cinematografia extensa e marcada pela variedade de temas.

domingo, 15 de abril de 2012

Black Lizard - 1969

Uma das mais importantes figuras culturais japonesas do pós-guerra na literatura e m outras artes, senão a maior, Yukio Mishima é a força motriz que move esta obra ímpar da cinematográfica japonesa dos anos 60. Inspirando-se em uma das novelas mais famosas de um escritor japonês Edogawa Rampo – infelizmente inédito em português, mas popular no Japão - que já havia adaptado anteriormente para o teatro. Peça e filme estrelados pela figura singular e transexual do ator de kabuki Akihiro Maruyama - na vida real amante do escritor na época - que interpreta Black Lizard, uma delirante criminosa. O próprio Mishima faz uma pequena aparição, no papel de uma estátua de um dos antigos amantes. Fascinada por joias a ladra tentar raptar a filha de um joalheiro e forçá-lo a pagar o resgate com uma magnífica joia: “A Estrela do Egito”. Mas os planos dessa Cleopátra japa vão muito além disso. Para enfrentar a criminosa é contratado o sherlock japonês Akechi, um personagem popular do escritor Edogawa Rampo, presente em várias de suas narrativas. Entre os dois se estabelece uma relação de evidente atração sexual. Irônico, claro se pensarmos que Black Lizard é interpretada por um homem, seguindo aqui a tradição do teatro kabuki, que só admitia homens em todos os papéis. Os encontros dos oponentes são marcados por uma retórica repleta de “finesse” e jogos verbais, dignos de um Oscar Wilde. Diga-se de passagem: o roteiro é uma obra literária de uma impressionante carga poética e retórica.
Não sou , infelizmente, conhecedor da obra literária de Mishima, mas está claro que o esteticismo o fascinava e era essencial em sua estética literária e filosófica. Citei o autor de “Dorian Gray”, e o elemento britânico art-nouveau decadentista é chave na estética visual do filme. As imagens de Aubrey Beardsley, ícone do art-nouveau se espalham por quase todos os fotogramas, desde a abertura, na decoração da boate e até no apoteótico grand-finale operístico. Curioso que a principal influência do gravurista inglês foi a arte japonesa. Agregados a estes aspectos artísticos temos na atmosfera de todo o conjunto o “camp” ,o kitsch, a psicodelia bem sixtie: em alguns momentos tudo parece um episódio de “Batman”- aqueles com Adam West -, até porque a heroína vilã dá gargalhadas como o Curinga. Um melodrama art-nouveau/ kabuki / pulp feito de máscaras, bonecas, estátuas e metáforas eróticas, ou melhor, homoeróticas. Grotesco, decadente, poético, bizarro e tragicômico, acima de tudo um filme que se abre em várias perspectivas, um caleidoscópio incomparável. A direção coube ao veterano Kinji Fukusaku, não muito conhecido no ocidente, mas de vasta e variada cinematografia. A trilha sonora coube a Tomita, de alguma fama posterior no Brasil. Infelizmente ainda aguarda edição em DVD, inclusive no mundo civilizado. O título original é Kuro Tokage.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Astro Zombies -1969

Vejam um laboratório astro-espacial; vejam loucos corpos estelares; vejam ensandecidos transplantes humanos; vejam brutais mutantes ameaçando mulheres bonitas. Ted V.Mikels e seu parque de diversões - ou circo -no auge do cinema Z dos anos 60 com esta pérola máxima do absurdo cinematográfico. Para muitos tido como candidato sério ao pior filme de todos os tempos. Exagero é claro, até por que o filme tem algumas qualidades:, não tem o pecado mortal da chatura; traz a grande Tura Satana no papel de uma dragon lady mortal com uma arma e trocando de figurino em cada plano que aparece; tem o rei dos astros do filme B, John Carradine, no indefectível papel de cientista louco, e para completar teve o roteiro escrito por um dos criadores de MASH, Wayne Rogers. Precisam de mais argumentos? O cartaz do filme anunciava aquelas maravilhas todas, mas o filme trazia outras mais , numa suma quase completa de todos os temas e gêneros do cinema Z: espiões, cientista maluco, zombies, assistente corcunda (naturalmente),ficção científica, erotismo. Só faltou lobisomem, alien, vampiro e um louco preso no porão. Para costurar todas as atrações desse parque de diversões Z uma história sem pé nem cabeça sobre um cientista maluco que planeja criar uma raça de zumbis espaciais. Claro que a CIA não gosta da ideia e manda uma série de agentes patetas para impedir os planos dele. E entre eles surge Tura Satana e dois capangas, a serviço de alguma potência oriental misteriosa, que pretendem cooptar o cientista para eles. Diga-se de passagem, que o motivo dessa resenha é ela: Tura Satana. Quando do seu falecimento só coloquei uma fotografia aqui no blog e nada mais.
Estava me devendo um filme estrelado por ela. Como a obra-prima de Russ Meyer, “Faster Pussycat” já tem comentários muito mais abalizados, optei por este filme que havia visto há uns 4 anos durante minha estadia nos EUA. Curiosamente não encontrei tanto material assim na net sobre ele, apesar de um filme que consta em qualquer boa enciclopédia psicotrônica gringa. Resolvi revê-lo neste feriado pensando mesmo que seria uma maneira de poder falar um pouco dessa figura singular do cinema B e Z. No mainstream ela só atuou em uma ponta na comédia de Billy Wilder, “Irma La Douce”. Quem der uma examinada na sua biografia na wikipedia, por exemplo, verá que a sua vida foi mais interessante que todos os filmes possíveis que estrelou. Mas o diretor Ted V.Mikels é uma figura, até hoje ainda fazendo seus filmes. Um sujeito simples que pratica um cinema “naif”. E merece uma lembrança, assim como Tura. Seus filmes seriam mais compreendidos e admirados, imagino nos tempos de Mélies, talvez, quem sabe? A fama de “so bad,so good” com certeza o manteve vivo, assim como seus contemporâneos infames que não tiveram a sorte de serem biografados por Tim Burton ( já falei disso aqui, presumo) mas que resistem graças a mentes distorcidas como a minha e tantas outras por este sertão espacial virtual. Último representante do cinema Z, uma autêntica atração de um parque de diversões temático, assim é Ted V. Mikels, quase tão bizarro como um personagem de seus próprios filmes.

sábado, 7 de abril de 2012

Las mariposas disecadas- 1978

Um aviso: estou longe de ser ou pretender posar de especialista em cinema mexicano B, sou apenas um apreciador. O fato é que o blog tem sido uma jornada por filmes que tenho descoberto recentemente, e desconhecidos para mim até então .É o caso desse, pinçado de um ótimo blog de filmes de terror mexicano, que eventualmente fuço. Só havia me interessado por ele pelo nome da grande Silvia Pinal encabeçando o elenco. Imaginava um daqueles filmes de terror no estilo gótico mexicano dos anos 50 e 60, maravilhosos, mas algumas vezes cansativos. Como já disse não sou um especialista: suponho que nos anos 70 os cineastas mexicanos que se dedicaram ao gênero fantástico e de terror tenham mudado o enfoque e modernizado as tramas. A julgar pelos filmes de Carlos Enrique Taboada, do qual já comentei um filme “Más negro que la noche” ou de Juan Carlos Moctezuma, dos sensacionais “Alucarda” e House of Madness”, fortemente influenciados pelo surrealismo de Buñuel e os filmes de Jodorowsky, é o que posso deduzir . E o filme que relembro perambula entre um terror mais psicológico e de nuances, e o surrealismo herdado da obra de Buñuel . Não tão delirante e histérico quanto o citado “Alucarda , - que foi lançado no mesmo ano de 1978. Mas igualmente perturbador e original.O diretor Sérgio Véjar é dono de uma filmografia extensa no cinema mexicano: 53 filmes. Não conheço nenhum dos seus outros filmes. Além de dirigir foi cameraman , inclusive de alguns filmes de Buñuel da fase mexicana.
Silvia é uma escritora de meia-idade que vive solitária em uma mansão. Para lhe fazer companhia apenas um pássaro e a criada. Ao conhecer um garotinho de uns 10 anos toma por ele uma fixação pervertida e claramente pedófila. Em uma cena assustadora para os padrões de agora ela beija o garotinho na boca. Imaginação e realidade vão se confundindo à medida que a narrativa progride, com as lembranças de uma antiga relação que manteve com um rapaz bem mais jovem. Para não perdê-lo matou-o e o mumificou como uma estátua, com resultados atrozes: a dissecação mal feita obrigou-a a enterrar o corpo do amado no jardim. A aparição do garotinho não só lhe traz à memória o antigo amor, mas a decisão de caprichar no “trabalho” grotesco que tem em mente. Citei a influência de Buñuel e isso fica claro, por exemplo, na cena do garotinho brincando com formigas: o diretor de “Viridiana” era tarado por insetos. Mas há muito mais: histeria, pedofilia, humor negro, sensualidade, religião. Em um final demente, e digno de um Maldoror ensandecido, vemos a solteirona histérica se masturbando diante da estátua dourada do garotinho, que ela envenenara e mumificara, e depois pusera em um altar diante do seu leito. Mais perverso impossível. Uma retomada do mito de Pigmalião, só que às avessas? Suponho que o conteúdo francamente pedófilo tenha deixado o filme um pouco à margem, e duvido que fosse possível a sua realização na atualidade. Os tempos mudaram: vivemos uma época saudável, asseada, asséptica e anódina. Para os curiosos e tarados o filme pode ser encontrado no site Terror Mexicano. Vale uma conferida. Link do site: http://humorblancomexicano.blogspot.com.br/2012/02/las-mariposas-disecadas-1978.html

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Sugar Cookies - 1973

No ocaso da fantástica cena da sexploitaition americana surge esta mistura de erotismo e suspense. Nomes ilustres na produção: o futuro diretor Oliver Stone e Lloyd Kaufman, que pouco depois fundaria Troma, bastião e refúgio do cinema B e alternativo. O roteiro do próprio Kaufman e a direção coube a Theodore Gershuny, marido da estrela do filme Mary Woronov, e diretor de apenas 3 longas para o cinema, sendo que “Silent Night, Bloody Night” também adquiriu alguma fama cult, e foi realizado um ano depois, igualmente com a esposa no elenco. Ela, lembremos foi uma das estrelas da trupe do artista plástico Andy Warhol, mas se consagrou mesmo como umas divas do filme B nos anos 70. O adjetivo enigmático não lhe cai mal e aqui ela faz jus a ele no papel de Camila, uma modelo e atriz de filmes eróticos. O ambiente onde se movem os poucos personagens é justamente este universo da sexploitation e da elite de New York: ambiente retratado como amoral e devasso. Temos Max (George Sherman) um produtor de filmes pornôs, amante de joguinhos sexuais sádicos e perversos, que mata Alta(Lynn Lowry), famosa atriz de filmes pornôs, após uma de suas brincadeiras prediletas: a roleta russa. Como álibi recorre à Camila, que numa trágica coincidência era amante da atriz morta, e também dividia o leito com ele vez ou outra. A vingança dela será sutil.
Como uma Pigmalião Camilla encontra uma aspirante à atriz - fisicamente parecida com a amada -, e a molda, transformando-a em uma atraente diva do sexo softcore. Claro, que o sádico amante se deixa seduzir e se envolver na doce armadilha . Alguém lembrou, não sem razão, que há algo de “Vertigo”, obra-prima de Hitchcock na trama. Com efeito, Camila traz Alta dos mortos, reconstruindo-a no corpo de Julie. Assim como Kim Novak em “Vertigo”, a atriz Lynn Lowry interpreta os dois papéis. O cenário é uma Nova York cinza, pálida e fria. O orçamento ínfimo – apenas 100.000 dólares – não impede que o filme pareça mais sofisticado que a média do gênero, graças uma boa trilha e à direção competente. Como lembrei no início da resenha, quando o filme foi lançado a sexploitation já estava praticamente destruída pelos filmes pornôs hardcore. Mas ironicamente o filme foi classificado assim quando exibido, apesar de conter apenas cenas de lesbianismo softcore

terça-feira, 3 de abril de 2012

Identikit -1974

Em uma sequência de coincidências e acasos estive recapitulando despedidas honrosas, horrorosas, esdrúxulas e bizarras de divas da era de ouro do cinema de Hollywood. Virou quase uma série e agora trombo com o canto de cisne da recém-falecida Elizabeth Taylor. Involuntária escolha, apenas pelo fato de que o filme me fascinou. É fato que ela ainda participaria em produções de TV ou em pontas de luxo, mas realmente aqui o filme em questão foi o último que ela estrelou. Tinha 41 anos apenas, mas parecia bem mais no filme. E vinha do divórcio com o amor Richard Burton, dando fim definitivo à relação tumultuada que havia se iniciado nas filmagens de “Cleópatra”. Mas isso é assunto pras colunas de fofoca e o digno blogueiro mascarado de super-herói japonês não perde tempo com a vida alheia. Aqui estou para falar de filmes. Os fãs consideram este trabalho da atriz o pior que ela protagonizou. Para os amantes do glamour e o cinema enquanto mera máquina de sonhos pueris, o filme assusta mesmo. Estreou em 1974 na abertura do festival de Cannes e recebido com frieza; lançado no mercado americano com alguns cortes; título mudado: em suma, uma produção conturbada. Baseada em um romance da consagrada Muriel Spark. O diretor Giuseppe Patroni Griffi gostava mesmo era ópera e dirigiu poucos – e ótimos filmes – apenas 7 filmes. Liz Taylor é Lise, uma mulher de meia-idade que chega Roma, com um propósito obscuro. Diz que está à espera de um homem único, especial, mas não procura ou deseja o sexo. Mesmo assim é perseguida obstinadamente pelo sexo : por duas vezes sofre tentativas de estupro nas ruas de Roma.
O comportamento é insano, incoerente. E a realidade ao redor dela parece mais insana que a sua mente: explosões, acontecimentos inexplicáveis se sucedem. A narrativa flui fragmentada movendo-se entre passado e presente, em ritmo onírico, ou melhor, de um pesadelo operístico, distante do realismo. Os diálogos beiram o nonsense pontuando sequências ilógicas: o que o personagem interpretado pelo artista plástico Andy Warhol, está fazendo ali? Qual a ligação com Lise? Há algo de “Esse Obscuro de Desejo” de Buñuel na realidade demente que a rodeia. Os seus trajes - um quê de psicodélico – igualmente são o espelho de sua incoerência interna e da realidade - sem falar do penteado medonho. Um choque realmente para quem aprecia uma Liz Taylor linda e etérea eterna diva. Na apolínea e cálida Itália, terra do gozo e do sol, ela buscou e encontrou tânatos em um ritual de amor e morte no centro de um parque deserto: espamo agônico da derradeira diva do cinema.