quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Febre do Sexo - 1981

Tirando alguns fanáticos e jovens admiradores paulistas é difícil achar alguém que defenda Rubens da Silva Prado, ou Alex Prado, como muitas vezes assinava. Para começar praticou um subgênero que tem prestígio zero á esquerda junto à crítica nacional, que é o western- feijoada. Depois enveredou pelo pornô, que “goza” (ops) ainda de menos favor da crítica. Sim, vou bater na mesma tecla que outros blogueiros e críticos mais abertos já informaram e é assunto requentado: existiu um faroeste nacional, o western-feijoada, como foi carinhosamente (?) batizado. É engraçado, pois quando criança cheguei a assistir alguns faroestes nacionais. Eu e todos dentro do cinema não ligavam para a procedência deles. Se eram americanos, italianos ou de outro país não importava muito. O que contava eram tiros, pancadaria e os vilões estrebuchando sob o sol escaldante antes do the end redentor. Nosso ciclo de cangaço- bem mais extenso - não escapou de utilizar os clichês do western tradicional, essa que é verdade. O filme de Alex Prado é original em relação a esse servilismo aos estereótipos e modelos ítalo-americanos do gênero. Ele poderia perfeitamente ter enfiado seus personagens nas roupas coloridas do cangaço e transformar a saga de Gregório em mais uma história de sabor nordestino. Seria fácil, mas ele evitou o óbvio. E realizou um faroeste-feijoada original. O herói de Rubens Prado(interpretado pelo próprio) move-se numa terra fantasmagórica, imaginária, povoada pelos vilões e mocinhas dos filmes de ação e faroestes: a terra do cinema. A cor local, não é ignorada, porém. Gregório chega numa bodega vagabunda, por exemplo, e pede uma cachaça, e ouvimos mencionarem onças na região. O detalhe dissionante é o gorro que ele veste igual aos caçadores de pele de castor muito comuns em faroestes americanos. A versão original de 1981 não obteve pelo visto muita repercussão. Ao que consta foi exibido no Rio e São Paulo na estreia, nos cines Premier e Pathê, e depois desapareceu. Mas ressurgiria miraculosamente alguns anos depois com outro nome e com cenas extras (cerca de 11 minutos) de sexo explícito. Uma coisa de louco realmente. Essa versão: “Sexo erótico na ilha do gavião” é encontrável sem muitas dificuldades na net ainda e já mereceu resenhas em alguns blogs. A curiosidade em conhecer o filme sem os enxertos absurdos me levou a caçá-lo e finalmente encontrei-o em sua versão original.
A cópia veio com legendas em espanhol e imagens sofríveis. Pelo visto Prado, assim como Tony Vieira e outros diretores e produtores venderam seus filmes para o mercado VHS da América latina e até para países europeus, sem contar os EUA. Vi, por exemplo, “Prisioneiras da Selva Amazônica” de Conrado Sanchez, dublado em inglês e com legendas em grego! A versão existente de “O último Cão de Guerra” de Tony Vieira, é argentina, com legendas em espanhol. Lembro ainda que assisti recentemente o curioso “O Sósia da Morte” dublado em espanhol. É desse jeito que nosso cinema foi e (vai) aos trancos e barrancos, e dá raiva pensar em quantas obras estão praticamente perdidas. O próprio Prado tem vários de seus filmes inéditos em DVD ou VHS ainda. O pistoleiro vingador Gregório foi personagem recorrente em várias obras dele. E nesse filme, com um título que sugere um drama erótico mais que um faroeste brutal, ele está em busca da esposa Maria(Helena Volpi) que foi raptada por um bandido chamado Gavião. Antes de atingir este objetivo a saga de Gregório é uma sucessão surreal de pancadarias, tiros e mortes violentas. Logo no início ele resgata uma moça chamada Helena de um estupro em vias de ser consumado por um dos homens do bando de Gavião. Resgatada a donzela, ele vai catando outros infelizes pelo caminho, homens e mulheres que fugiam da fúria do vilão. No entanto todos que o seguem à exceção de Helena acabam por serem mortos em confrontos com os bandidos. Hilário e grotesco. Os momentos de erotismo são fornecidos pela geografia rural: se tem rio ou cascata as mocinhas não hesitam em tirar os farrapos e mergulharem no rio, nuas e felizes. Claro, que em praticamente todos os momentos que isso ocorre aparece algum devasso do bando de Gavião e tenta tirar uma casquinha das moças, e então toma sarrafo de Gregório, sempre por perto. Em um dessas escaramuças surge um bandido, outro mais, começa a troca de tiros e sopapos e ao final resta um bando de mulheres mortas boiando na água. Demente. O vilão supremo Gavião(Paul Morrison) é um místico que escraviza mulheres para trabalhar em suas minas de ouro. O discurso dele defendendo a importância da riqueza e do ouro é calhordamente similar a de qualquer livro de autoajuda que ensine o sujeito a enriquecer ou de um burocrata de uma multinacional. Pérolas assim: “A felicidade está no ouro, e nele reside a segurança e o êxito e felicidade da vida”. Por falar em autoajuda os diálogos do herói são igualmente hilários em certos momentos, principalmente quando reencontra a amada(“O amor é eterno”).
A trilha sonora de fundo das sequências finais está a cargo da banda Pink Floyd com o tema instrumental “One of These Days” do álbum Meddle(o da orelha). Claro, que Gilmour e Waters nem imaginam que ela foi utilizada em uma maluquice brasileira dos anos 80. Alex Prado teve carreira ativa como diretor até 1989 com 26 filmes lançados. Um herói do cinema popular nacional, assim como tantos outros que tiveram a ousadia de buscar um cinema simples e popular sem nenhuma benesse oficial da Embrafilme. A versão original que relembro aqui, e que tive o prazer de assistir, pode ser encontrada no blog cujo link está aqui: http://eugostodefilmesbrasileiros.blogspot.com.br/.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Nyl Blorong aka Snake Queen - 1982

Pois é, caro amigo, nesse momento depois de ter viajado a tantos lugares desse mundo que não para de rodar e nos deixa zonzos , giros e crazies, eis que estou na Indonésia. Sempre quis dar um pulinho aqui, andar pelas ruas iluminadas de Jacarta , visitar as mesquitas inumeráveis, infinitas, depois me quedar sossegado em um restaurante e provar os fantásticos acepipes da culinária local. Caminhar pelas ruas reserva outros prazeres: lindas mulheres que não cessam de dar uma espiada na aparência gringa do caminhante solitário. Na beira do rio paro e contemplo longamente os barcos de vários modelos e tamanhos. Sonho com as histórias de Terry e os Piratas, os filmes com Fred Mc Murray, Maria Montez, imagino que verei um espião se esgueirando nas sombras, piratas saindo com seus barcos para realizarem mais um ato selvagem e depois buscarem refúgio em uma ilha infestada de tigres e serpentes. A imagem de um oriente mágico, cinematográfico persiste em minha mente. Sonho em comprar um pequeno barco e me perder nas incontáveis ilhas que compõem este país singular exótico. Meu atento amigo, mas você sabe que aprecio o cinema, e quanto mais bizarro e louco melhor. E na falta de tempo de entrar em uma das salas de cinema da cidade - nenhum filme tinha legendas- comprei um DVD pirata de um filme nas mãos de um vendedor de rua. Ele me garantiu,num inglês mais atroz ainda que o meu, que o filme que eu comprei era incrível, extraordinário e tinha a vantagem de ser falado em inglês. Voltei para o hotel, cansado já das caminhadas, o suor escorrendo pelo rosto, e mesmo assim coloquei o filme no aparelho de DVD do quarto de hotel. Meu dileto amigo, você vez ou outra gosta de debochar da minha predileção por cinematografias ditas exóticas e já me ironizou nas bebedeiras noturnas nos botecos sobre resenhas que escrevi a respeito de filmes da Islândia, Turquia e outros países. Gosto de imaginar que, para um nativo de um desses países, nosso Brasil seja também exótico. Tudo enfim é questão de perspectiva, ter o olhar aberto para aceitar o que foge do trivial, que vá além dos cadernos de cultura chiques do Globo, Estadão ou Folha de São Paulo. O mundo é grande, disse um poeta. Nem sempre podemos fugir da tirania cinematográfica e cultural vinda do nosso Tio e Pai Sam, mas não custa combatê-lo silenciosamente, como aqui neste quarto de hotel numa rua de Jacarta, diante de uma pequena TV. Combate tolo e inútil, é verdade.
No momento em que começam a surgir no visor as imagens do filme, e percebo que a cópia é, sim, falada em inglês, mas tem subtítulos em grego e a qualidade de imagem é sofrível. Mas imagino que seja a única possível e continuo desperto na longa noite e me embrenho na história da Rainha das serpentes. O astro é Barry Prima que conheço de uma maluquice do mesmo país que assisti há tempos: “The Devil’s Sword”. O único filme que assistira feito no país. A atriz principal que atende pelo singular nome de Suzzanna, foi figura manjada por lá nas telas de cinema. No mesmo dia comprei também outro filme estrelado por ela: “The White Alligador Queen”. Claro que as novas gerações da Indonésia nem sabem quem ela é. Pelo menos para os funcionários do hotel com quem troquei algumas palavras, nenhum recordava quem era ela e esboçaram caretas de incredulidade, decerto pensando que estavam diante de um ocidental maluco e veado, que ao invés de estar ali abraçado com uma das milhares de putas que infestam os becos da cidade, simplesmente carregava alguns DVDs piratas e indagava sobre um velha atriz esquecida. Talvez tivessem razão no quesito loucura.O calor é infernal e o filme dirigido por Sisworo Gautama Putral vai ficando cada vez mais insano e surreal a medida que a trama se desdobra qual uma serpente deslizando na relva: Sexo, exorcismo, bruxaria, lutas, há um pouco de tudo que a máquina de sonhos oriental pode criar. As interpretações absolutamente distantes dos padrões ocidentais naturalistas: exageradas, caricatas e acentuam o grotesco deliberadamente. E o melhor, amigo, é que toda a trama excessiva tem um quê de uma velha lenda narrada ao pé do fogo, um mergulho no folclore do país. E daí o charme inquestionável do filme. E fico pensando, porque lá no nosso Brasil inzoneiro poucos cineastas tiveram a ousadia de se libertarem das amarras naturalistas e não apostam na poesia do insano das entranhas das narrativas ancestrais, como é aqui nesse filme e outros dessa exótica e distante Indonésia. Ai,amigo ,isso é só mais um sonho, entre tantos outros sonhos, cujo maior de todos é este aqui nesse quarto quente de uma Jacarta que só existe na minha imaginação e nas palavras que vou digitando a esmo. Aqui vai ,pois, um legítimo filme indonésio: você terá mais assunto para piadas no próximo encontro em algum boteco dessa cidade de calor digno de um Saara .

domingo, 9 de setembro de 2012

Abismos da Meia-Noite - 1984

Entre nossos defeitos culturais, como a falta de memória, assinalemos outro: o solene desprezo pela cultura vizinha dos países latino-americanos e igualmente para com a nossa pátria mãe Portugal. O intercâmbio é, praticamente, zero. Do cinema português só chegaram aqui os filmes do sisudo Manuel de Oliveira, na música Madredeus e Pedro Abrunhosa;e na literatura contemporânea o cenário é um pouco melhor, afinal eles tem Saramago. Ainda assim é pouco, no final das contas. O assunto do meu blog é cinema e então, realmente, é um cenário desolador. Esta resenha é um mea-culpa, pois nunca dei muita importância ao cinema luso e vi poucos filmes vindos de lá. Antonio de Macedo o diretor do filme que comento tem obra vasta, mas apenas três de seus filmes chegaram à internet. Uma pena. Além de cineasta é respeitado escritor de ficção e ensaísta. No meio desse ano a Cinemateca Portuguesa lhe dedicou uma retrospectiva. Surgido no cinema novo português a partir de 1975, no entanto ele escolheu um caminho singular e único abordando temas pelas perspectivas do fantástico e surreal com incursões por filmes de gênero como ficção científica e terror. É provavelmente o único que optou por esse rumo na cinematografia portuguesa.
Curiosamente o descobri justamente porque uma questão me veio à mente quando trocava algumas ideias com um amigo português, criador do excelente blog My One Thousand Movies, e lhe indaguei se em Portugal não havia acontecido, como em tantos países, uma linha de filmes exploitation, extremo ou erótico. E o nome indicado pelo amigo foi Antonio de Macedo, somente. Lá não houve esse tipo de cinema. Semelhante ao Brasil o cinema de gênero não encontrou respaldo junto ao público. O caminho do cineasta foi, portanto solitário e duro. Vários de seus filmes tiveram problemas com a censura, pelo que pude averiguar. Este que resenho foi o seu maior sucesso de público, muito em conta da nudez dos personagens principais em uma sequência: os dois atores, Helena Isabel e Rui Mendes eram figuras conhecidas na tevê portuguesa nos anos 80. O diretor declarou que o esoterismo é inseparável dos seus filmes. Aqui provavelmente mais que em outros dos seus filmes isso está claro. O subtítulo “As Fontes Mágicas de Gerénia” é uma boa indicação dessa questão. Esoterismo e Lendas medievais, ingredientes que dão vida a este filme. Irene, uma agente de seguros ,é designada a investigar o desaparecimento de um homem em uma pequena cidade do interior. Ao chegar conhece Ricardo, um modesto professor de história estudioso das lendas locais e vivendo um casamento infeliz. As investigações a levam a um beco de saída, onde a única explicação seria irreal e mágica: no decorrer Irene descobre que outras pessoas haviam desaparecido próximo aos muros do castelo medieval. Rezava a lenda que na noite de natal no momento das doze badaladas uma porta se abria e conduziria a um maravilhoso tesouro. O mergulho do casal é semelhante à Alice de Lewis Carroll: Fábula de iniciação, descoberta e aceitação do novo amor, mas poderia ser anti-iniciação ( um termo utilizado por Macedo em uma entrevista), pois se ambos mergulham em um mundo místico e esotérico, de lá apenas redescobrem o real. “Todos os meus filmes terminam com uma pergunta. No fundo o meu problema é essa pergunta”, declarou ele tentando esclarecer alguns pontos da sua filmografia que serviriam para elucidar o estranhamento que este filme causa no espectador. Iniciação que é um acrescentar, anti-iniciação que desvia. Esoterismo indagativo, interrogante. “E a minha preocupação nos meus filmes é bem perguntar”.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Os carrascos estão entre nós - 1968

O nome gringo do ator principal e diretor oculta, na verdade, um ator brasileiro: Cícero Adolpho Vitório da Costa, ou C.Adolpho Chadler. Como tantos nomes do nosso cinema esquecidos e lembrados apenas por alguns lunáticos(entre os quais eu me incluo). Foi mais um que ousou ainda na década de 60, em plena época do Cinema Novo e antes da era Boca do Lixo, fazer um cinema de gênero no país, e como outros antes e depois, fracassaria. Um precursor do Tony Vieira? De alguma maneira sim, e lembremos que só o cineasta de “Último Cão de Guerra” conseguiria sucesso de bilheteria na linha proposta por Adolpho,na década seguinte. O fato é que não havia nos anos sessenta interesse do mercado exibidor nem do público por essa linha. O sonho de criar um cinema de entretenimento renderia oito filmes até 1973 entre gêneros como terror, faroeste e policial. E como uma maldição quase todos eles estão perdidos. Este aqui em questão , com o sugestivo título de um filme perdido de Fritz Lang ,seria o terceiro da carreira do diretor/ator. Depois de 1973, o brasileiro gringo desapareceria do mapa do cinema e ao que tudo indica vive nos EUA. A história parte de um fato que se revelaria sinistramente real no futuro: a fuga para o nosso país de membros da cúpula do nazismo depois da guerra. Basta lembrar Mengele em no interior de São Paulo. Os remanescentes criaram uma organização secreta chamada Aranhas – novamente um nome languiano – que passa a ser investigada por dois agentes: Chadler interpreta Marcan, o brasileiro agente da nossa agência de inteligência SNI; o agente da CIA, interpretado pelo ator americano Larry Carr , de carreira obscura na terra natal, acabaria se fixando por aqui igualmente como coadjuvante em produções esquecidas. O roteiro é interessante garantindo as tradicionais reviravoltas na trama, imprescindíveis no gênero. Alguns bons diálogos e piadinhas visuais: na banca de revista um personagem folheia um livro do jornalista David Nasser sobre nazismo, por exemplo. As sequências de ação são bem feitas e críveis em sua maioria. E com tantos atrativos a questão é: por que o filme não fez sucesso? Um ponto grave a ser considerado, no meu entender: se o roteiro tem trama interessante, falha na construção de um bom protagonista, curiosamente o próprio Chadler, que faz um herói insosso e sem alma. Também o que esperar de um agente do SNI em plena época da ditadura? Mais antipático impossível. Na produção nomes ilustres do cinema nacional: Cyl Farney , Anselmo Duarte e Oswaldo Massaini. Neste último temos outra ligação do filme com a Boca, considerando-se que ele foi um dos principais produtores com a sua Cinedistri. Fotografia excelente, diga-se de passagem, do cinemanovista Affonso Viana. Trilha do maestro Erlon Chaves. No elenco Átila Iório e Karin Rodrigues, entre outros. O filme até que sobreviveu na memoria e nas telas apesar do fracasso na época: foi exibido no Cabal Brasil e pode ser comprado em colecionadores e vendedores de filmes raros facilmente encontráveis na rede. O cartaz do filme é outro fator que garantirá a imortalidade do filme junto aos cinéfilos e colecionadores de memorabilia do cinema nacional: foi o primeiro cartaz desenhado pelo grande ilustrador José Luiz Benício. E ficam as imagens em DVDs piratas ripadas do Canal Brasil, como restos da história do fracasso de um sonho.