terça-feira, 31 de julho de 2012

A Carne - 1975

Ao que consta foi a terceira adaptação da obra de Júlio Ribeiro. Não tive até o momento muito ânimo para ler o livro, pelo fato de não ter muita paciência com naturalismo literário. Comentar dessa maneira um filme adaptado de um livro tem até um lado bom, pois evitamos as comparações quase inevitáveis que poderiam ocorrer entre um e outro. É curiosa a observação sobre o filme, na wikipedia: o livro causou polêmica e escândalo nos tempos do império, o filme, no entanto, lançado no auge da pornochanchada passou despercebido. Os tempos eram outros. A Boca viveu em toda a sua trajetória, um conflito interno: havia a necessidade de atingir o povão, com o erotismo, mas por outro lado os produtores buscavam vez ou outra dar a algumas produções um verniz mais artístico, filmes voltados para um público seleto. Para isso uma das táticas era recorrer às adaptações de clássicos da literatura nacional, principalmente aquelas que já haviam caído em domínio público. Melhor ainda se a obra tivesse alguma aura de erotismo, e no caso do livro de Júlio Ribeiro, havia isso de sobra. Talvez seja o romance de mais alta carga erótica explícita da nossa literatura no séc. XIX. Só lembrando que José de Alencar e Macedo também tiveram obras adaptadas para as telas. O filme foi lançado dentro desse contexto de buscar um público mais sofisticado e a aceitação da crítica. Funcionava? Alfredo Sternheim , que adaptou “Lucíola” baseado em José de Alencar , lembrou em entrevista que a recepção ao seu filme foi negativa e de deboche da crítica. Não havia escapatória. Ou era paulada comendo solta ou então restava a indiferença e o desprezo. Coube ao que tudo indica essa sina ao filme de J. Marreco, considerando que quase nada se encontra sobre ele na net. “A Carne” se não tivesse nenhuma qualidade já valeria a pena somente pela presença deslumbrante de Selma Egrei. Mas felizmente o filme tem outras boas razões além da presença melancólica e sensual da atriz: um bom roteiro, escrito por Antônio Bivar e Antônio Calmon, a direção sensível do diretor J. Marreco, mineiro oriundo de Belo Horizonte, que fez carreira na Boca do Lixo exercendo várias funções, e a boa fotografia. Aos que supõem que os filmes da Boca são histericamente sexuais e calhordas - os velhos preconceitos de sempre- o filme impõe ao espectador uma narrativa calcada no intimismo e nas nuances, tingidos pela melancolia. Há uma preocupação com a verossimilhança histórica: o fim da escravidão e todos os dramas e estigmas decorrentes bem inseridos e rondando os senhores brancos, personagens da ação. Enquanto estes discutem e tentam fazer o sexo ( a carne), o elemento que move todos os gestos e passos dos personagens da casa grande, na senzala o chicote e o tronco falam a linguagem da dor na carne negra e desamparada. Lenita (Selma Egrei) uma jovem órfã, inteligente e culta (fato raro na época)que não tem outra opção na vida, após a morte do pai, que não seja se mudar para uma fazenda e passa a ter a companhia apenas do velho senhor. Solidão e isolamento. Havia um filho, mas sempre ausente. Esperança de amor, volúpias imaginárias. Decepção no primeiro encontro em uma cena memorável. Lenita se desespera ao constatar que o filho Augusto, era velho, esquisito e longe dos padrões imaginados por ela. Apesar do choque inicial ambos se aproximam e acabam se relacionando. O sexo , as taras, a libertinagem: “Sou moça, sou rica e quero gozar”; “Você foi a mulher mais devassa que já encontrei”. Ele é falado, discutido, mas o diretor opta pela suavidade e delicadeza, expondo o belo corpo de Selma Egrei em fugazes, mas belos, momentos. Tudo é sexo, mas a sensualidade carnal é um elemento ausente do filme, pelo menos da maneira que o público da época desejaria. Aos filmes saídos da Rua Triunfo só era permitido a truculência visual, técnica e a libidinagem . Aos que ousassem transpor essa fronteira, só restava o limbo e o esquecimento. Lenita, metáfora perfeita do cinema da Boca, não pode levar até as últimas consequências a paixão por Augusto, homem casado e cansado, e só lhe resta fugir e aceitar o jogo da sociedade. O filme ainda espera por uma edição decente em DVD, e pode ser encontrado na net numa cópia sofrível, mas é a única possível.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

La Morte Non Ha Sesso - 1968

Um detalhe que mesmo aqueles que os desprezam não podem negar: os gialli sempre têm bons títulos. E com esse não foi diferente: “A morte não tem sexo”. A versão americana ganhou um título, como sempre, pior: “A Black Veil for Lisa”. Não há dúvida que é um gênero de tramas e temas reduzidos: o obrigatório assassino que só se revela no final, sempre utilizando para os crimes uma tesoura ou quando muito uma faca, muitas mortes sangrentas, e tramas algumas vezes confusas, mas elegantes e de grande riqueza visual. Outros traços são inegavelmente atraentes : belas mulheres ,boas trilhas sonoras . Um detalhe que praticamente todos os giallos têm é a geografia onde as tramas se passam: apesar de dirigidos e realizados por italianos, as histórias geralmente são ambientadas em países estrangeiros. Boa parte na Inglaterra, sendo que este se passa em Hamburgo, na Alemanha. Nunca entendi bem esse aspecto inusitado do gênero. Massimo Dallamano foi cameramen experiente tendo trabalho em dezenas de produções italianas, mas só deixou 14 filmes como diretor. Este não chega a ser o seu filme mais badalado, o que é uma pena, acho que, inclusive, nem ganhou edição em DVD . Um filme, que guarda boas surpresas para o espectador e com razões suficientes que o tiram dos ,muitas vezes, estreitos limites impostos pelo gênero. A sequência inicial até dá a entender que veremos mais um giallo clássico: um homem andando por uma rua escura, é atacado e é assassinado a facadas por um assassino misterioso. Mas à medida que o filme avança ocorre um movimento do exterior – os crimes – para o interior – a mente do personagem principal: um policial de meia idade responsável pelas investigações. Já foi observado que a obsessão erótica seria o tema básico que permeia os melhores filmes do diretor. É só lembrar que Dallamano filmou, por exemplo, obras como “A Vênus das Peles” de Masoch - com a divina Laura Antonelli -, e “O Retrato de Dorian Gray” com Helmut Berger, dois clássicos literários da perversão.
Aqui é o ciúme que está no cerne do drama. A velha máxima de que o ciumento sempre acha mais do que procura se aplica perfeitamente à tragédia que se desenrola. Bulov (John Mills) se casou com uma mulher bem mais jovem, a bela Lisie ( a bond girl Luciana Paluzzi). Para complicar ainda mais eles se conheceram na delegacia: a moça fora condenada por tráfico. Ciúme, o Inferno do amor possessivo - o título de um filme que não recordo agora quem dirigiu - que se aplicaria bem aqui: a obsessão transtorna-o, não deixa a mulher em paz, seguindo-a e vigiando todos os passos dela. Na sua mente vai se desenrolando uma trama paralela de traições reais ou não. Nós, espectadores, somos deixados à deriva. A revelação da identidade do criminoso no meio do filme contraria umas leis do giallo e faz a trama tomar rumos inusitados: Bulov pede ao assassino, o bem apessoado Max (Robert Hoffman), que mate a esposa, diante da certeza da presumida traição. O problema é que Max e Lisie ao se conhecerem, ambos belos e jovens, caem nos braços um do outro e iniciam um affair, sob os olhos estupefatos e inebriados pelo ciúme do velho marido. Como pano de fundo desse triângulo amoroso temos o universo do tráfico de drogas: as mortes que ocorrem são todas relacionadas às investigações conduzidas pelo departamento de narcóticos e a suspeita é que um figurão playboy esteja por trás de tudo. As reviravoltas da narrativa são conduzidas com boa mão pelo diretor resultando em um bom exemplar do giallo.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Belas e Corrompidas - 1977

Fauzi Mansur é um bom exemplo de diretor cuja obra transcendeu os limites da Rua do Triunfo, cenário da Boca do Lixo, infame para muitos, e tem lugar cativo na lista dos melhores diretores brasileiros de todos os tempos. Quando digo limites, não me refiro só ao espaço físico, mas aos limites conceituais onde os filmes nascidos na região ao redor da rua do Triunfo foram confinados e marcados: o rótulo pornochanchada e a imagem trivial de mau gosto, para dizer o mínimo. O primeiro detalhe que chama a atenção na obra desse diretor de origem árabe é a variedade de gêneros: comédia, terror, drama histórico e erótico entre outros. Não conheço infelizmente todos os seus filmes, já que vários são impossíveis de conseguir e podem estar perdidos até, mas todos os que tive o prazer de assistir me dão a certeza do vigor de sua obra. Entretanto não me aventurara pela obra do diretor nos anos 80 e 90, mais restrita ao terror e filmes de sexo explícito. O gênero terror é raramente praticado no país, e de resto o cinema de gênero em geral. Cinema sem medo da inocência e do prazer sem culpa. Breve tergiversação : um dia desses revi o fantástico “A reencarnação do Sexo” do colega da boca, Luiz Castellini e recentemente lembrei aqui o “O Estripador de Mulheres”, que já descamba mais para um mix de terror e humor. No fim de semana por um acaso do destino consegui “Karma”, de 1984 e “Atração Satânica” de 1989, dois exemplares dessa fase tardia do diretor. O primeiro resolvi encarar nesse fim de semana e me deixou ,mais uma , vez perplexo. Os filmes de Mansur tem essa capacidade, para o bem e para o mal. Provavelmente filmado em 16 mm e presumo que não tenha sido exibido nos cinemas:o mais certo é que tenha somente ganhado edição em VHS, como os outros filmes dos anos 80 de Fauzi, visando, sobretudo o mercado externo e as locadoras. Um filme desigual, bárbaro, brutal e insano. Uma história de fantasmas e casa mal assombrada filmado no limite do risível, em alguns momentos, mas sem perder o fascínio. Um filme apocalíptico, de narrativa elíptica e densa. Interpretações toscas: nada espantoso considerando-se que boa parte do elenco tinha mais experiências em filmes pornográficos. Um filme casto, diga-se de passagem, no quesito sexo. Para efeito de comparação resolvi rever o citado “Belas e Corrompidas” de 1977. A lembrança que tinha era a melhor possível e confesso que ao revê-lo a impressão foi ainda melhor. Afirmações categóricas são sempre perigosas: mas por que não afirmar que este é um dos 10 melhores filmes brasileiros de todos os tempos? Seria tachado de imbecil por muitos. Mas, ok. Faço a afirmativa: “Belas e Corrompidas” é uma obra-prima e numa lista que eu fizesse – e que nunca farei - dos meus filmes brasileiros favoritos seguramente estaria entre os dez ou vinte mais. Alguém realizou uma enquete desse tipo na net dos piores e melhores. Ambas as listas triviais nos títulos de modo geral, com honrosas exceções. Divertidos e ilustrativos mesmo foram os comentários de leitores sobre as listas: todos, sem exceção esculhambando os filmes nacionais eróticos dos anos 70 e clamando por uma suposta qualidade visual e de bom gosto. “Karma” teve exibição no canal Brasil, quanto a “Belas e Corrompidas” não tenho certeza. A cópia obtive há tempos no desaparecido Putrescine. Maria Isabel de Lizandra, em seu momento supremo no cinema, no papel de uma serial killer sexy e infernal. Humor negro, dionisíaco, debochado e anárquico.
Um roteiro sinuoso e com a precisão de um relógio suíço escrito por Marcos Rey e o próprio Fauzi: um personnagem some, a situação parece que deriva, e de súbito tudo ganha sentido. Uma trilha sonora singular - montada por Carlos Reichenbach misturando soul music e Wagner, entre outros sons. "Karma " também compensava os efeitos especiais pobres, com uma ótima montagem sonora. E por falar no grande Carlão – que nos deixou tão cedo -, ele atua como um cego louco e tarado de nome Igor, que tem um caso com a criada –corcunda – da bela assassina; e temos Heitor Gaiotti, parceiro de Tony Vieira, como um ex-presidiário que vai trabalhar de jardineiro na mansão da mulher fera. Thomas de Quincey e seu “Do assassinato como uma das belas artes “: cada crime da nossa heroína é sexy e requintado, operístico, rituais de dor e gozo, amor, dor e humor. E é também uma das mais belas e malditas histórias de amor do nosso cinema. Os momentos antológicos são tantos que enumerá-los me obrigaria a contar todo o filme. Detalhar todas as sutilezas visuais e auditivas, as ironias cortantes, enfim todos os meandros dessa suma poética da danação e do horror demandaria muito mais que as 800 palavras digitadas até agora. Só posso dizer aos que não conhecem esta obra-prima que corram , procurem, batalhem, mandem pedidos para o Canal Brasil ; e torçamos para que um dia alguma produtora de DVDs decente coloque em circulação uma boa cópia dessa maravilha e de outras perdidas .

terça-feira, 17 de julho de 2012

Les week-ends Maléfiques du Comte Zaroff -1976

Michel Lemoine é figura conhecida - como ator - para aqueles que estão familiarizados com o eurotrash da década de 60 e 70. Coincidentemente meu domingo foi marcado por assistir a dois filmes em que sua presença foi notada. Este que comento, como ator e diretor: o outro, que talvez comente futuramente, uma produção italiana dos anos 60, “Delitto allo specchio” – de 1960 -, onde apenas atuou. Para continuar nas coincidências dominicais a atriz Joelle Coeur é a atriz principal do meu filme, mas ganhou lugar especial entre as estrelas da sexploitation europeia dos anos 70 com Jean Rollin, e acabei assistindo também no domingo ao filme “As Demoníacas”, estrelado também por ela e dirigido por Rollin. Duas coincidências, portanto. Uma bela mulher, que sumiu do cinema, casou e virou psicóloga na França e enterrou o passado. Michel Lemoine foi um discípulo, aliás, de Jean Rollin e este seu filme é um bom exemplo dessa influência. Outra evidente influência é a dos filmes do espanhol Jess Franco, compreensível tendo em vista que Lemoine atuou em vários de seus filmes. Como ator atuou em mais de 50 filmes, e como diretor realizou 28 títulos, muitos deles pornográficos. O título já dá uma dica para o espectador: trata-se de mais apropriação do mítico Conde Zaroff, que teve sua melhor versão em 1932 co-dirigida por Irving Pichel e Ernst Schoedsack.
Mas incontáveis versões existem do tema do nobre cujo esporte favorito é caçar seres humanos como animais. Na verdade em meu filme Zaroff é apenas o neto do monstro e vivendo isolado em um castelo, tendo por companhia apenas um criado soturno, interpretado pelo favorito de Jess Franco o ator Howard Vernon, que ,aliás, já interpretou o Conde Zaroff em uma versão realizada por Jess Franco. Bóris Zaroff é um respeitável homem de negócios parisiense também. E ao contrário do avô a sua crueldade é marcada pela indecisão e vive permanentemente mergulhado na fronteira entre a realidade e a loucura e obcecado pela visão de uma misteriosa e bela mulher. A narrativa deixa que estes parâmetros se confundam e o resultado é um filme, que como muitos do mestre Jean Rollin, faz sentido se o espectador abdicar da busca de uma lógica cartesiana e se deixar hipnotizar. O terror francês dos anos 70 sempre privilegiou essa cadência onírica, basta lembrar além dos citados filmes de Rollin, trabalhos como “La Papesse” – que já resenhei aqui no blog – ou “Morgana et ses nymphes”, para ficar em dois bons exemplos. Um filme de boa atmosfera, em que a boa trilha ajuda bastante, além da fotografia que abusa de efeitos visuais. A versão americana recebeu um título tolo de “Seven Women for Satan”, absolutamente sem sentido.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Bad Blonde - 1953

Bárbara Payton é um dos mais fascinantes, insólitos e miseráveis exemplos de como a máquina de Hollywood pode ser impiedosa e cruel. A sua vida rendeu algumas biografias e nenhum dos 15 filmes em que atuou chega aos pés do drama vivido na sua vida real. Morreu abandonada e na miséria aos 39 anos, vitimada por um ataque cardíaco. A estreia no cinema foi sensacional, marcante, com o filme “Kiss Tomorrow Goodbye” ao lado de James Cagney; mas a carreira entrou rapidamente em declínio e um escandaloso caso de triângulo amoroso praticamente expulsou-a de Hollywood e buscou refúgio na Inglaterra. Alcoolismo e drogas arruinaram-na em pouco tempo. Chegou a ser presa por prostituição e passar cheques sem fundo. Um autêntico pesadelo. O filme que desenterro é do seu período inglês, uma produção barata da Hammer dirigida pelo veterano artesão Reginald Le Borg. É mais uma variação do tradicional tema do triângulo amoroso que resultou em obras-primas do noir como “O Destino Bate a sua Porta” e tantos outros, e que aqui resulta em um filme curioso. No papel de Lorna ( um nome que ressurgiria em filmes de Russ Meyer e Jess Franco) Bárbara é uma jovem casada com um homem mais velho, rico e empresário no mundo do boxe. Naturalmente entediada. A entrada em cena de um jovem aspirante a boxeador faz girar a roda da tragédia. O que nossa femme fatale oferece a ele são as chaves do inferno envoltas em uma bela embalagem de sexo, mentiras e promessas. Obviamente o pobre e irresoluto rapaz não resiste ao chamado do pecado. E a pergunta que não quer calar: quem afinal resistiria a um chamado do demônio nas formas de Barbara Payton ? Ela já apresentava no corpo alguns sinais da decadência que a devastaria, mas ainda era um mau pedaço de caminho. A primeira sequência em que ela surge é sensual e marcante: o marido na sala proseando com o boxeur e ela despreocupadamente deixando entrever as pernas enquanto veste as meias, pela porta entreaberta do quarto. Um furor. O filme começa e se encerra em um parque de diversões fuleiro de interior: metáfora irônica para mais uma versão do pecado original sob o ponto de vista de um filme policial noir. O filme é conhecido também pelo título (ruim) de “The Flanagan Boy”. Para os interessados existe um torrent do filme no divino Pirate Bay.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Baby Love - 1968

O título sugere algo suave e belo, como a música do mesmo nome das Supremes, que nada tem a ver com este filme inglês. Aqui a suavidade do rosto da teenager Linda Hayden, no papel da garota Luci, esconde abismos insondáveis como diria um filosofo amador de botequim. Um filme que não poderia ser produzido hoje, provavelmente. Basta pensar que a atriz tinha a idade da personagem no filme e não dispensou cenas de nudez. A caretice PC domina boa parte do cinema atual, já bati nessa tecla aqui, particularmente o americano. Creio que nem na época em que o código Hays imperava na América ele foi tão melífluo, insosso e desprovido de qualquer signo de violência e paixão como agora.A América de hoje é uma terra uniforme, monótona: quer você esteja em Albany, Baltimore ou Lowell, verá as mesmas paisagens intermináveis desoladas – pois só se veem automóveis, você não vê gente - centros comerciais gigantescos entulhados de macdonalds, wallmarts e outras marcas mais. Ad infinitum. Lá como cá os centros das cidades viraram terra de ninguém. Estou generalizando, é claro. Cinemas de rua desapareceram, drive-ins por incrível que pareça ainda existem alguns. Bem, aqui também estes existem aos montes, mas não exibem filmes e servem apenas para sexo rápido. Nosso país é mesmo uma paródia monumental da alma – ou da ausência dela - americana atual. Perdoem meu falatório e leiam o interessante livro “Mainstream” do francês Frédéric Martel, que fala dessa América e de muitas coisas mais sobre a indústria cultural, incluindo até a máquina de fabricar debilóides que é a nossa rede maior de Televisão nacional, e motivou essa introdução irritada. O cinema inglês, praticamente não existe mais, quase que totalmente atrelado ao cinema americano. A Hammer retoma as atividades, é fato, mas com um filme deveras fraco “The Woman in Black”, muito longe dos seus bons tempos. Nos anos 50 e 60 havia um trânsito e muitos atores americanos quando entravam em decadência buscavam o último suspiro na ilha.
Politicamente Correto, caretice, centros comerciais, cinemas de rua, decadência de centros de cidades americanas e brasileiras: o assunto deriva e a intenção é apenas tentar situar este irresistível, para mim, filme inglês sixtie. “Lolita” de Kubrick e “Teorema” de Pasolini, alguns comentaristas já frisaram o parentesco. Mas o filme é muito mais. Swinging London às avessas, longe do glamour da vida fashion do rock’roll. Luci(Hayden) é uma garota bela, mas de uma beleza digamos “comum” distante de uma Gillian Hills de “Beat Girl” de 1960, com o qual este filme guarda algumas similaridades, ou de uma Jane Birkin, para citar algumas inglesas. Ironicamente o filme começa com o suicídio da mãe da garota, interpretada pela atriz Diana Dors que alcançou fama como a rival inglesa de Marylin Monroe e fez até alguns filmes na América. Aqui já estava um bagulho. Já comentei alguns filmes estrelados por ela nesse blog. Simbolicamente a sexy simbol da década anterior passava o bastão para a inglesinha sapeca. Filha de uma pobre coitada alcoólatra, drogada e prostituída, um antigo amante a resgata do fundo do poço – atendendo a um pedido da mãe antes de morrer - e a leva para outro mundo: Luci no país das maravilhas.Ele era agora um respeitável médico e membro de classe média de boa vida. Família aparentemente perfeita: o marido, a esposa bonita e o filho insosso. Mais inglesa impossível. A chegada da garota provoca a abertura dos armários – a esposa se revela uma lésbica insatisfeita com o marido -, liberação das taras - o filho um voyeur, e marido, e possivelmente pai da menina, um pedófilo. A guerra surda entre as rígidas classes sociais inglesa com táticas de guerrilha sexual. Luci age por instinto, por vingança? Anjo e demônio, perversa e inocente, amoral e cínica. Os pecados e a hipocrisia de todos desvelados e colocados na mesa do chá das cinco. O tom da narrativa é seco, quase documental, árido como o universo retratado. O rock só aparece como pano de fundo. A boa direção coube a Alastair Reid, que dirigiu poucos filmes para o cinema, tendo concentrado a carreira na TV inglesa. Linda Hayden ainda está na ativa também na TV. O filme pode ser baixado sem problemas no YouTube.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Estripador de Mulheres - 1978

O cinema da Rua do Triunfo em seu apogeu (entre 78 e 79 foram produzidos na Boca 84 filmes). Mas se se aqui era o auge ficava flagrante, porém que o modelo estava com os dias contados e sintomaticamente o diretor Juan Bajon, logo passaria a dirigir filmes de sexo explicito para sobreviver. Chegou a dirigir quase 50 filmes em pouco mais de 5 anos. Ele já se aposentou, Jean Garrett, Ody Fraga e Tony Vieira faleceram, outros sumiram. O cinema da Boca hoje é só uma miragem ao inverso. Sem as benesses da mamação estatal sobreviveu, conquistou mercado, e o desprezo quase integral da crítica, antes de desaparecer. Felizmente os filmes reaparecem, pipocam aqui ali graças a sites, blogs e eventualmente em exibições no canal Brasil. Em DVD imagino que não exista quase nada. Este aqui chegou a sair em VHS, sumiu, e qual uma assombração tem dado as caras em alguns sites de compartilhamento. Não recordo de sua exibição em BH na época: com certeza só passou no Regina ou no Cine Candelária, onde quase sempre os filmes da Boca eram confinados. Encontrei esparsos comentários a respeito dele na rede, o que considerando as circunstâncias não está tão ruim. A leitura do dicionário de cineastas da Boca do Lixo do cineasta Alfredo Sternheim chega a dar nos nervos tantos são os filmes que provavelmente nunca serão relançados porque estão perdidos ou por outros motivos. Eu iniciei o texto dizendo que era a Boca no seu apogeu, mas paradoxalmente estamos diante de um filme atípico em muitos aspectos. Não tem, por exemplo, nudez ou sexo.
Classificá-lo como filme de terror é insuficiente, pois temos elementos de humor e absurdo grotesco. Um precursor do terrir de Ivan Cardoso? Sterheim no citado dicionário, no verbete sobre o diretor, sugere a influência dos filmes produzidos por Val Lewton. Acho mais clara a influência de Fritz Lang do clássico “M”, lembrada em algumas dos textos que li sobre ele. O melhor do filme está em algumas sequências: o enterro da tartaruga, absurdamente surreal e infame, os rostos iluminados contra o fundo negro, o olhar quase documental no matadouro, o show dos travestis entre outras. Piadas que não envelheceram: a incompetência policial na investigação, o circo da mídia. Nada mudou. Temos também a ótima interpretação de Ewerton de Castro, praticamente mudo em todo o filme, como o serial killer, que durante o dia não passava de um balconista de farmácia, sem contar a excelente trilha sonora. Um filme de narrativa titubeante é verdade, mas nunca deixa indiferente. No escurinho do cinema: Inusitado, grãos de demência, escroto , impuro e indelicado filme que a golpes de estilete na mesmice afirma seu lugar na história do cinema brasileiro. Cinema que atualmente necessita de uma intervenção cirúrgica, como resto outras cinematografias também. O filme pode ser encontrado no blog A Privada Cult para baixar.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

La Encadenada - 1975

Normalmente procuro variar a geografia dos filmes que comento. O último que lembrei era uma produção espanhola de terror nos anos 70. O certo seria agora dar um pulo aqui no Brasil, Itália, Japão, Tailândia, Inglaterra, ou outro país qualquer, e eis que agora quebro a regra que me impus e volto a mais filme da terra de Cervantes e Buñuel. Já disse aqui mesmo neste espaço há tempos que uma bela atriz é sempre um bom motivo para comentar ou um filme. E ao que consta ainda não havia comentado nenhum estrelado pela magnífica Marisa Mell. Um pecado que procuro corrigir agora. Começar a escrever sobre esta atriz austríaca - que fez carreira no cinema italiano, espanhol e francês – e brilhou com diretores como Mário Bava e Lúcio Fulci, entre outros, talvez fosse apropriado citar os versos do simbolista português Cesário Verde, um dos poucos poetas que ainda leio: ”Teus olhos dizem mais que mil bibliotecas”. Ou para continuar na língua portuguesa, com nosso Machado quando escreveu que os olhos de Capitu eram olhos de ressaca, no caso do mar. Os olhos de Marisa Mell eram devastadores na beleza e no mistério que sugeriam. E nesse thriller ítalo-espanhol, falado em espanhol (mas a cópia que vi estava dublada em inglês) e com elenco internacional, ela está sublime, perversa, envolvente, labiríntica e sinuosa no papel de Gina ( ou seria Elizabeth?) e depois que o filme termina o efeito dos seus olhos ainda se prolongam por muito tempo em nós.
Um milionário, Alexander (o americano Richard Conte) a contrata para cuidar do filho mudo e retardado, que dependendo da gravidade das crises era trancafiado em um porão. O rapaz vivia isolado, com dois criados, em um castelo, que abrigava o Santo Graal ! Óbvio que nem um debilóde resistiria ao charme da pretensa psicóloga, que com alguma inteligência maligna e muito sexo o coloca nos eixos( ou na cama, melhor dizendo). Enquanto isso o velho também ficava babando por ela sem obter o mesmo sucesso do filho, no entanto. A trama adquire significativos meandros com a aparição de um marido - interpretado pelo ítalo brasileiro Anthony Steffen - da moça, até então conhecida como Gina, mas na verdade Elizabeth, e descobrimos que ela era a suma de todos os pecados possíveis: ladra, assassina e possivelmente, prostituta. Daqui em diante é impossível falar do que acontece tantas são as surpresas e reviravoltas que vão se sucedendo, conduzidos com boa mão pelo diretor Manuel Mur Oti, também um dos roteiristas desse bom filme. A almodovariana Carmen Maura faz uma ponta como uma jovem freira. A diva Marisa Mell viria a falecer com apenas 53 anos em 1992. A versão americana ganhou o título de “Diary of an Erotic Murderess”, um título que explica outros aspectos do filme e que são essenciais para entender o final surpreendente; o título espanhol original dá a dica para outro fato essencial também para explicar o final. Deixemos as dúvidas e incertezas e fiquemos com os olhos de Marisa Mell, eternos nnas telas.