domingo, 9 de setembro de 2012

Abismos da Meia-Noite - 1984

Entre nossos defeitos culturais, como a falta de memória, assinalemos outro: o solene desprezo pela cultura vizinha dos países latino-americanos e igualmente para com a nossa pátria mãe Portugal. O intercâmbio é, praticamente, zero. Do cinema português só chegaram aqui os filmes do sisudo Manuel de Oliveira, na música Madredeus e Pedro Abrunhosa;e na literatura contemporânea o cenário é um pouco melhor, afinal eles tem Saramago. Ainda assim é pouco, no final das contas. O assunto do meu blog é cinema e então, realmente, é um cenário desolador. Esta resenha é um mea-culpa, pois nunca dei muita importância ao cinema luso e vi poucos filmes vindos de lá. Antonio de Macedo o diretor do filme que comento tem obra vasta, mas apenas três de seus filmes chegaram à internet. Uma pena. Além de cineasta é respeitado escritor de ficção e ensaísta. No meio desse ano a Cinemateca Portuguesa lhe dedicou uma retrospectiva. Surgido no cinema novo português a partir de 1975, no entanto ele escolheu um caminho singular e único abordando temas pelas perspectivas do fantástico e surreal com incursões por filmes de gênero como ficção científica e terror. É provavelmente o único que optou por esse rumo na cinematografia portuguesa.
Curiosamente o descobri justamente porque uma questão me veio à mente quando trocava algumas ideias com um amigo português, criador do excelente blog My One Thousand Movies, e lhe indaguei se em Portugal não havia acontecido, como em tantos países, uma linha de filmes exploitation, extremo ou erótico. E o nome indicado pelo amigo foi Antonio de Macedo, somente. Lá não houve esse tipo de cinema. Semelhante ao Brasil o cinema de gênero não encontrou respaldo junto ao público. O caminho do cineasta foi, portanto solitário e duro. Vários de seus filmes tiveram problemas com a censura, pelo que pude averiguar. Este que resenho foi o seu maior sucesso de público, muito em conta da nudez dos personagens principais em uma sequência: os dois atores, Helena Isabel e Rui Mendes eram figuras conhecidas na tevê portuguesa nos anos 80. O diretor declarou que o esoterismo é inseparável dos seus filmes. Aqui provavelmente mais que em outros dos seus filmes isso está claro. O subtítulo “As Fontes Mágicas de Gerénia” é uma boa indicação dessa questão. Esoterismo e Lendas medievais, ingredientes que dão vida a este filme. Irene, uma agente de seguros ,é designada a investigar o desaparecimento de um homem em uma pequena cidade do interior. Ao chegar conhece Ricardo, um modesto professor de história estudioso das lendas locais e vivendo um casamento infeliz. As investigações a levam a um beco de saída, onde a única explicação seria irreal e mágica: no decorrer Irene descobre que outras pessoas haviam desaparecido próximo aos muros do castelo medieval. Rezava a lenda que na noite de natal no momento das doze badaladas uma porta se abria e conduziria a um maravilhoso tesouro. O mergulho do casal é semelhante à Alice de Lewis Carroll: Fábula de iniciação, descoberta e aceitação do novo amor, mas poderia ser anti-iniciação ( um termo utilizado por Macedo em uma entrevista), pois se ambos mergulham em um mundo místico e esotérico, de lá apenas redescobrem o real. “Todos os meus filmes terminam com uma pergunta. No fundo o meu problema é essa pergunta”, declarou ele tentando esclarecer alguns pontos da sua filmografia que serviriam para elucidar o estranhamento que este filme causa no espectador. Iniciação que é um acrescentar, anti-iniciação que desvia. Esoterismo indagativo, interrogante. “E a minha preocupação nos meus filmes é bem perguntar”.

Nenhum comentário: