“Quando eu fiz os dois primeiros westerns, eu estava realmente tentando fazer algo diferente, porque eu pensei que todo mundo já tinha feito todos os Westerns tradicionais que precisavam ser feitas. Então eu decidi fazer um par de anti-Westerns. E tendo feito isso, eu saí do sistema. Quando decidi fazer CHINA 9, 37 LIBERTY eu realmente queria um pró-western , um faroeste tradicional. E eu acho que fiz tudo com o melhor de minha capacidade. Eu acho que não chegou a ficar dessa maneira, mas eu dei o meu melhor.” –Monte Hellman
Para meu post de número 100, nada melhor do que relembrar gêneros, atores e diretores que aprecio: no caso tenho aqui um faroeste – talvez meu gênero favorito, um diretor de minha particular estima: o americano Monte Hellman, e o ator fantástico – impossível evitar um superlativo no caso dele, Warren Oates. E de quebra, este filme ainda tem uma ponta rara de Sam Peckinpah, outro dos meus diretores favoritos de todos os tempos. Um faroeste classificado pela maioria, como um spaghetti, pela razão da produção italiana e as filmagens, além do mais, realizadas na Espanha e na Itália, cenário habitual do subgênero. Quando foi lançado em 1978, o western estava praticamente morto: nem os italianos se aventuravam mais pelo gênero, e nos EUA poucos filmes eram realizados. Se em termos de produção ele pertenceria à infame escola italiana, a rigor o diretor fez mesmo, conforme sua declaração citada na abertura da resenha, um faroeste dentro das tradições clássicas americanas. As duas incursões anteriores de Monte Hellman no western, ambas filmadas nos anos 60, tendo Warren Oates em uma delas (“The Shooting”), foram tentativas de renovação inseridas dentro do contexto das mudanças que ocorreriam nos anos 60 em todos os setores da arte e da sociedade. A crítica os apelidou de faroestes psicodélicos. Monte Hellman sempre manteve uma carreira à margem da indústria cinematográfica americana. Começou trabalhando em filmes baratos com Roger Corman ,depois só conseguiu realizar esporádicos longas-metragens. A sina errática de Monte Hellman continuaria após este filme: somente dez anos depois conseguiria finalizar outro filme,“Iguana”.
E incrivelmente, depois de 20 anos sem dirigir, lançou em 2010 o filme “Road to Nowhere”, com boa aceitação crítica. O filme, segundo o diretor, foi inteiramente filmado com uma câmera digital que custou USD 12.000!
“China 9, Liberty 37” (na Itália se chamou “Amore, Piombo e Furore) o estranho título americano se refere a um cruzamento entre duas pequenas cidades do oeste. E metaforicamente, como veremos, o filme é sobre o cruzamento entre diversos tipos de heróis e bandidos do velho oeste. Temos então um pistoleiro Clayton (Fábio Testi) condenado á forca, no vilarejo China, que recebe uma oferta que poderia livrá-lo da condenação: matar um mineiro que estava atrapalhando os planos de expansão da ferrovia. Mathew, o rancheiro, em mais uma boa e singular atuação de Warren Oates , em um dos seus últimos papéis , vivia no rancho com uma bela mulher, a insatisfeita Catherine(Jenny Agutter) e havia sido um pistoleiro de aluguel para a própria companhia que desejava eliminá-lo. Clayton chega ao rancho, mas acaba fazendo amizade com Mathew, além de cair de amores pela esposa dele, e vai embora sem realizar a tarefa assassina. É claro que não sem antes ir às vias de fato com a bela esposa do rancheiro marrento. A consequência é que o marido espanca a mulher , mas acaba sendo ferido gravemente por ela. Catherine acreditando-o morto foge e vai à procura do amante. Recuperado, o rancheiro inicia uma perseguição, com a ajuda dos irmãos, ao casal. A narrativa vai descortinando detalhes que demonstram originalidade: é raro como aqui, por exemplo, ênfase em cenas de amor e sexo, no gênero; a psicologia dos dois pistoleiros é rica em nuances: nenhum é mocinho ou vilão realmente, e apesar da rivalidade brutal ( todos os irmãos do rancheiro são mortos ) a amizade entre o pistoleiro, ainda na ativa, mas querendo fugir da profissão, e o pistoleiro aposentado, sobrevive de alguma maneira. Há uma intervenção quase felliniana de um circo em um vilarejo no deserto; o proprietário, além de oferecer ao pistoleiro um trabalho no circo como atirador, lhe dá algumas garrafas de um elixir à base de cocaína. Uma alusão aos primórdios da Coca-Cola? E temos Sam Peckinpah que aparece como um escritor de romances vagabundos de faroeste, que se oferece a Clayton para escrever suas façanhas e transformá-lo em uma lenda do oeste; e ele é claramente citado e homenageado na abertura do filme, similar à “ Wild Bunch”, onde meninos brincando com escorpiões apareciam nas sequências iniciais, agora são meninos brincando com bolinhas coloridas. Em suma um faroeste que vai além de ódio, vingança: é também uma história de amor e amizade destinada ao fracasso, uma ode crepuscular e melancólica a um gênero agonizante, simbolizada nas figuras dos dois pistoleiros. Temáticas, na verdade, presentes em toda a rica e pequena filmografia de Monte Hellman. Foi simbolicamente a última produção distribuída pela Allied/Monogram, clássica produtora e distribuidora de filmes B nos anos 50 e 60, homenageada até por Godard em “Acossado”. O responsável pela fotografia foi o grande Giuseppe Rotunno de “O Leopardo”, entre outros clássicos.
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