Quando fazia pesquisas para escrever a resenha sobre o filme
“O Inquisidor” – uma coprodução entre Peru e Argentina - tive notícias de Jairo Pinilla um diretor colombiano, e me chamou a atenção o fato dele se dedicar ao gênero
fantástico. Algo inusitado : um diretor colombiano realizando filmes
de gênero. Ao lado do nosso Jose Mojica
e do hermano Emilio Vieyra um dos raros
nomes que praticaram de forma mais sistemática o terror e o fantástico na
América Latina. E ,assim como nosso
Mojica , filmes realizados em condições
precárias: orçamento exíguo, atores não profissionais. Os críticos o apelidaram de o “Ed Wood
colombiano”, o que pode soar bizarro ao quadrado. Para aqueles que acham que o cinema é uma arte que exige padrões
de qualidade técnica, interpretações classe “A” e nada que incomode, que seja um afago no ego em suma, os filmes
dele não serão indicados e aconselho a evitá-los. Mas se você acha que o cinema
pode ser mais do que isso, que ele deve e pode ser ingênuo, louco, furioso, idiota,
insolente irreverente, descomunal, insensato, infantil, primitivo, alucinado,brutal, então mergulhe no universo desse
colombiano que ainda está vivo e produzindo filmes modestos na terra natal. Lembrei nosso
Zé do Caixão , mas o universo de Jairo também tem muito a ver com os filmes de
Chico Cavalcanti e outros diretores da Boca que realizaram filmes de terror.
Interessante que ele se arriscou a explorar outros gêneros, como neste filme
que relembro bem mais próximo do fantástico com toques de ficção científica, do
que do terror. O filme foi dublado em inglês e filmado fora da Colômbia – no Panamá e no Caribe -,
com a clara intenção de que soasse como uma produção americana ou
internacional. Jairo comentaria que o
público gostou e achou que estivesse diante de uma produção japonesa! Na mesma entrevista o
diretor resumiu a obra: “Tratava-se de
uma ilha no Atlântico que era visível somente de um determinado ângulo, e dos outros restava invisível. Na ilha havia um
triângulo de ouro maciço cobiçado por muitos, mas que era, no entanto perigoso,
já que todos que chegavam á ilha para busca-lo geralmente não saíam vivos”. Uma
ilha perdida no oceano, um objeto, um segredo, um desejo, um sonho. Um filme em
todos os aspectos único: um “Lost”
tosco, mas com a poesia de Mélies ,Jules
Verne e dos verdadeiros artistas do cinema primitivo. Ed Wood, mas também Steven Spielberg: um
crítico conterrâneo escreveu depois de ver este filme que” Jairo ,guardada as
devidas proporções, era o Spielberg colombiano”. Sobre o filme ele declarou,
com franqueza e coragem, que a intenção não foi de fazer um filme de arte, como os outros
diretores do país sempre faziam, mas um
filme comercial. Jairo se assumiu ingênuo (trabalho para pessoas que querem se
divertir, e não gente pretensiosa , comercial sim(não pretendo fazer filme de
arte),kitsch( se considerar que ser kitsch é ser vulgar e fazer os outros se divertirem,
então eu sou kitsch). Jairo tem outra tirada que faria as delícias dos que
desejam esculhambá-lo: “No cinema prefiro Batman a Bergman”. Jairo, assim como nossos Tonys, Cavalcantis , Cunhas e tantos outros ,foi
mais um que se arriscou a realizar filmes para o público simples, longe das
veleidades e pretensões sociológicas e artísticas. Lembrando que Jairo Pinilla foi homenageado no
festival de cinema fantástico realizado em São Paulo em 2010, juntamente com
seu coirmão José Mojica. Para os interessados todos os seus mais importantes filmes(
a obra é pequena) estão disponíveis no Youtube, incluindo este que relembro.
quarta-feira, 27 de março de 2013
domingo, 17 de março de 2013
A Força dos Sentidos - 1979
É sempre um momento muito especial para um cinéfilo –detesto o termo, mas enfim- quando
finalmente conseguimos um determinado filme que julgávamos perdido ou
impossível de encontrar. As notícias que obtivera sobre a possível existência da(considerada)
obra-prima de Garrett terminavam invariavelmente em um beco sem saída. A Cinemateca
Brasileira tem uma cópia, mas segundo um amigo me confidenciou, sem uma parte
da banda sonora, o que impede qualquer exibição em um Canal Brasil, por exemplo;
a edição em VHS sequer fora comercializada nos anos 80; enfim, já me dera por
vencido e desistira de um dia assisti-lo. Cheguei a escrever para um blogueiro
e jornalista, que pelo comentário postado sobre o filme conhecia e tinha uma cópia,
mas nunca obtive a gentileza de nenhuma resposta à minha solicitação, ainda que
fosse negativa. E eis que um dia desses aparece no Facebook um anúncio do
diretor Claudio Cunha – que felizmente é amigo virtual - oferecendo os filmes
que dirigiu e o filme do Jean Garret, que foi produzido por ele, estava ali no
meio da chamada. Parecia um trote de sádico, mas não era: mensagem trocada,
dinheiro enviado, e enfim o sonhado e ansiado filme diante de mim. Não tenho a
pretensão de fazer uma elucubração crítica sobre ele. O meu espaço virtual é ameno e trivial. Convencer um eventual leitor a se
interessar pelo filme já me terá deixado feliz. Jean Garrett é para mim um dos
melhores diretores brasileiros de todos os tempos. E depois de assistir a este
filme só confirmei o pensamento, apesar de ainda continuar achando que “A Mulher que Inventou o Amor”
seja melhor. Só revendo-o para tirar a boa dúvida. Felizmente as obra da Boca
do Lixo tem recebido mais atenção de alguns anos para cá. Mas sou testemunha de
que nas minhas rodas de amigos cinéfilos quando toco em nomes de diretores como
Garrett, Chico Cavalcanti, Tony Vieira, Fauzi Mansur ou outros, simplesmente
zombam e debocham de mim. Lendo o maravilhoso “Mondo Macabro” de Pete Tombs,
livro também que só consegui com muito esforço ( e mesmo assim em versão
digital), achei interessante uma observação sobre esta questão de recepção
crítica á obras que fogem do padrão cinéfilo “cinema de arte de qualidade” que
predomina entre nós. Curiosamente vejo que esta é uma tendência que predomina nos países de
cinematografias periféricas. O comentário de Pete Tombs se referia ao cinema
argentino, e caberia perfeitamente à realidade brasileira. Lá como cá cineastas
que não rezaram pela cartilha cinema de “qualidade”
artística (diga-se passagem que os Hermanos fazem este tipo de cinema muito
bem, ao contrário de nós )são menosprezados. Um dia desses conversando com
amigos, por exemplo, um deles se referiu a mim como um amante do cinema
argentino, o que despertou o interesse de outro na mesa, mas quando citei os nomes de
Vieyra, Armando Bó e outros, vi apenas uma cara incrédula: nenhum deles ele
sabia da existência. Boa parte dos cinéfilos tem como parâmetros de qualidade
filmes referendados pela crítica francesa dos anos 60, que tenham temática
séria e adulta, que não tragam conteúdo erótico de mau gosto, e claro, que
tenham interpretações excelentes dos atores, trilhas sonoras classudas ,
temáticas preferencialmente de esquerda,
de cunho social e otimistas. O sucesso do recente filme francês “Os Intocáveis”, é um
bom exemplo, creio. O cinema, enfim, enquanto arte esnobe, excelsa, afetada e
para eleitos. O português Garrett trabalhou sempre dentro de uma linha de
produção dirigida ao público popular, mais “baixo” possível, aqueles que só
queriam mesmo ver mulher pelada gostosa, bater uma punheta e esquecer a vida
miserável que levava nas grandes cidades ou pequenas.
A crítica mais comum feita à obra de Garrett seria de que seus
os filmes eram pretenciosos e afetados – pela utilização de músicas clássica na
trilha, e diálogos supostamente “ridículos e pedantes”. Um crítico famoso na
época ironizou o fato do personagem escritor buscar refúgio em uma ilha sob a
alegação de que isso era uma ideia impensável num país onde não existiria
escritor profissional. Gostaria de,
aliás, de saber se este “crítico” comentou “A Menina do Lado” de Alberto Salvá,
outro filme que gosto muito, e que também é sobre um escritor refugiado em uma
ilha deserta. Dentro dessa lógica quase toda a
cinematografia mundial teria que ser eliminada da face da Terra por
inverossimilhança. Seria divertido se não fosse grotesco a suposta observação.
Para mim- que não sou crítico- justamente
o que me agrada na obra do diretor é esta tentativa de pretensão e elegância,
sem perder, no entanto o foco no popular. “A Força dos Sentidos” é sofisticado
sim, tem narrativa sinuosa, carregada de ambiguidade e sem nenhuma referência
imediata á realidade nacional. A trama poderia se passar em qualquer lugar,
pois ela pertence ao terreno do fantástico mais puro.
Meu gênero literário favorito sempre foi a literatura
fantástica – de certa forma considero que obra é fantástica em sua essência. Nada mais óbvio, portanto, que
também me atraia o cinema de cunho fantástico em todas as suas variáveis. Uma
pena que o gênero foi pouco praticado no país tanto no cinema quanto na
literatura. Garrett , um dos raros cultores do gênero, dentro de um modelo
bastante pessoal, muito distante de um Mojica, por exemplo. Surpreenderam-me,
no filme, as evidentes semelhanças com obras do cinema mundial anteriores e
posteriores: Os roteiristas – Garrett e Koszpeky – conheciam “Carnival of
Souls”? Não acredito, mas tudo é possível; e o que dizer de “Sexto sentido” e “Os Outros”,
dois filmes marcantes recentes que
trazem igualmente similaridades curiosas com o nosso obscuro filme nacional?
Uma crítica honesta publicada na época lembrou “Os Inocentes”, clássico inglês de
Jack Clayton, o que faz sentido remotamente. O fato é que é, talvez ,o filme mais impregnando pela atmosfera do fantástico em toda obra do
diretor, e talvez de todos os filmes brasileiros do gênero. Nada do que se
desenrola na tela, percebemos nas sequências iniciais, é real. O espectador é
imediatamente convidado a mergulhar no terreno do fantasmagórico e do
imaginário. Está claro, Garrett não esconde que há algo errado em toda a
situação vivida pelo escritor. A estupenda fotografia de Carlos Reichenbach –
que ele considerava a melhor que fez em toda a carreira como fotógrafo –
acentua com planos maravilhosos o clima opressivo e sombrio. Em suma: que bom, que esta obra
pode ser apreciada novamente por todos. No site do diretor e ator Claudio Cunha
o filme pode ser adquirido www.claudiocunhaproducoes.com.br
terça-feira, 5 de março de 2013
Symptoms - 1974
José Larraz é um diretor já conhecido pelos admiradores do cinema exploitation europeu, graças ao fabuloso e sexy “Vampyres”, que sinceramente não sei se ganhou edição em DVD no Brasil. Provavelmente não. De qualquer maneira este filme e outros da sua filmografia já mereceram resenhas nos blogs nacionais, e muitos são encontráveis sem dificuldades em sites de compartilhamento ou no Youtube. Já lembrei que este último tem se revelado uma ótima fonte de filmes raros e obscuros. Tenho me surpreendido com certos filmes que pesquei no canal. O conselho é que corram e peguem o que puderem, pois logo esta festa vai acabar, suponho. O filme que relembro não é mais badalados na filmografia, talvez por estar ainda inédito em dvd e só circular em edições piratas, todas provenientes de uma exibição em 1983 na TV Inglesa. Uma pena, porque é um dos melhores da filmografia do diretor, e muitos até o consideram tão bom quanto o citado "Vampyres". Com ele Larraz concorreu no Festival de Cannes em 1973, e dizem que Jack Nicholson, membro do júri na ocasião , declarou que o filme era uma obra-prima e merecia a Palma de Ouro. O fato é que isso não aconteceu e o diretor, decepcionado, ficaria três anos sem dirigir. Em entrevista Larraz se declarou antes de tudo um romântico e um apaixonado pelos “tebeos”,os quadrinhos espanhóis, aos quais se dedicou antes de entrar para o cinema. No início da década de 70 o diretor iria para a Inglaterra e realizaria quatro filmes para produtores locais. Curiosamente todos lançados no mesmo ano de 1974. Assim como em "Vampyres" temos duas mulheres, uma mansão isolada e um ambiente rural. Mas o que é sangue, sexo demoníaco e nudez no filme das vampiras lésbicas, é discrição, melancolia e uma sexualidade difusa e reprimida em “Symptoms”. Menos “Possessão” de Zulawski, mais para “Repulsa ao Sexo” de Polanski, com o qual, aliás, o filme de Larraz guarda algumas semelhanças, já apontadas em resenhas que li. Helen( interpretada com perfeição por Ângela Pleasense, filha do ator Donald Pleasense) regressa para sua casa no campo levando consigo uma amiga Anne(Lorna Heibrom). Leituras, música, passeios pelo bosque e de barco pelo lago, enfim, a paz absoluta e perfeita. Um furtivo beijo na boca, apenas, para o espanto de Anne, e nada mais. As noites de Helen, no entanto, passam a serem perturbadas por ruídos vindos do sótão, súbitas visões de uma mulher, Cora, uma amiga que desapareceu, e que provavelmente morreu afogada no lago, ou teria sido assassinada? Mas o que fica claro é que Helen, além de profundamente perturbada pela lembrança da amiga -e paixão sáfica certamente- , tem uma sexualidade reprimida e histérica. A atmosfera sombria e melancólica emoldura uma trama monocórdica, minimalista e ambígua onde fantasia e realidade se chocam e se confundem -, mas plena de tensões e pulsões prestes a explodirem. O resultado é uma pequena obra-prima de câmara como um quarteto de cordas ensaiando um concerto de desejos vulcânicos. Mas como foi dito por um crítico inglês o mistério não está na trama – que é quase óbvia –mas nas nuances e na textura da narrativa.
Há que se ressaltar a excelente montagem, a cargo de Brian Smedley- Aston, responsável por “Performance” de Cammell e Roeg. O filme tem completo no Youtube.
Assinar:
Postagens (Atom)