É sempre um momento muito especial para um cinéfilo –detesto o termo, mas enfim- quando
finalmente conseguimos um determinado filme que julgávamos perdido ou
impossível de encontrar. As notícias que obtivera sobre a possível existência da(considerada)
obra-prima de Garrett terminavam invariavelmente em um beco sem saída. A Cinemateca
Brasileira tem uma cópia, mas segundo um amigo me confidenciou, sem uma parte
da banda sonora, o que impede qualquer exibição em um Canal Brasil, por exemplo;
a edição em VHS sequer fora comercializada nos anos 80; enfim, já me dera por
vencido e desistira de um dia assisti-lo. Cheguei a escrever para um blogueiro
e jornalista, que pelo comentário postado sobre o filme conhecia e tinha uma cópia,
mas nunca obtive a gentileza de nenhuma resposta à minha solicitação, ainda que
fosse negativa. E eis que um dia desses aparece no Facebook um anúncio do
diretor Claudio Cunha – que felizmente é amigo virtual - oferecendo os filmes
que dirigiu e o filme do Jean Garret, que foi produzido por ele, estava ali no
meio da chamada. Parecia um trote de sádico, mas não era: mensagem trocada,
dinheiro enviado, e enfim o sonhado e ansiado filme diante de mim. Não tenho a
pretensão de fazer uma elucubração crítica sobre ele. O meu espaço virtual é ameno e trivial. Convencer um eventual leitor a se
interessar pelo filme já me terá deixado feliz. Jean Garrett é para mim um dos
melhores diretores brasileiros de todos os tempos. E depois de assistir a este
filme só confirmei o pensamento, apesar de ainda continuar achando que “A Mulher que Inventou o Amor”
seja melhor. Só revendo-o para tirar a boa dúvida. Felizmente as obra da Boca
do Lixo tem recebido mais atenção de alguns anos para cá. Mas sou testemunha de
que nas minhas rodas de amigos cinéfilos quando toco em nomes de diretores como
Garrett, Chico Cavalcanti, Tony Vieira, Fauzi Mansur ou outros, simplesmente
zombam e debocham de mim. Lendo o maravilhoso “Mondo Macabro” de Pete Tombs,
livro também que só consegui com muito esforço ( e mesmo assim em versão
digital), achei interessante uma observação sobre esta questão de recepção
crítica á obras que fogem do padrão cinéfilo “cinema de arte de qualidade” que
predomina entre nós. Curiosamente vejo que esta é uma tendência que predomina nos países de
cinematografias periféricas. O comentário de Pete Tombs se referia ao cinema
argentino, e caberia perfeitamente à realidade brasileira. Lá como cá cineastas
que não rezaram pela cartilha cinema de “qualidade”
artística (diga-se passagem que os Hermanos fazem este tipo de cinema muito
bem, ao contrário de nós )são menosprezados. Um dia desses conversando com
amigos, por exemplo, um deles se referiu a mim como um amante do cinema
argentino, o que despertou o interesse de outro na mesa, mas quando citei os nomes de
Vieyra, Armando Bó e outros, vi apenas uma cara incrédula: nenhum deles ele
sabia da existência. Boa parte dos cinéfilos tem como parâmetros de qualidade
filmes referendados pela crítica francesa dos anos 60, que tenham temática
séria e adulta, que não tragam conteúdo erótico de mau gosto, e claro, que
tenham interpretações excelentes dos atores, trilhas sonoras classudas ,
temáticas preferencialmente de esquerda,
de cunho social e otimistas. O sucesso do recente filme francês “Os Intocáveis”, é um
bom exemplo, creio. O cinema, enfim, enquanto arte esnobe, excelsa, afetada e
para eleitos. O português Garrett trabalhou sempre dentro de uma linha de
produção dirigida ao público popular, mais “baixo” possível, aqueles que só
queriam mesmo ver mulher pelada gostosa, bater uma punheta e esquecer a vida
miserável que levava nas grandes cidades ou pequenas.
A crítica mais comum feita à obra de Garrett seria de que seus
os filmes eram pretenciosos e afetados – pela utilização de músicas clássica na
trilha, e diálogos supostamente “ridículos e pedantes”. Um crítico famoso na
época ironizou o fato do personagem escritor buscar refúgio em uma ilha sob a
alegação de que isso era uma ideia impensável num país onde não existiria
escritor profissional. Gostaria de,
aliás, de saber se este “crítico” comentou “A Menina do Lado” de Alberto Salvá,
outro filme que gosto muito, e que também é sobre um escritor refugiado em uma
ilha deserta. Dentro dessa lógica quase toda a
cinematografia mundial teria que ser eliminada da face da Terra por
inverossimilhança. Seria divertido se não fosse grotesco a suposta observação.
Para mim- que não sou crítico- justamente
o que me agrada na obra do diretor é esta tentativa de pretensão e elegância,
sem perder, no entanto o foco no popular. “A Força dos Sentidos” é sofisticado
sim, tem narrativa sinuosa, carregada de ambiguidade e sem nenhuma referência
imediata á realidade nacional. A trama poderia se passar em qualquer lugar,
pois ela pertence ao terreno do fantástico mais puro.
Meu gênero literário favorito sempre foi a literatura
fantástica – de certa forma considero que obra é fantástica em sua essência. Nada mais óbvio, portanto, que
também me atraia o cinema de cunho fantástico em todas as suas variáveis. Uma
pena que o gênero foi pouco praticado no país tanto no cinema quanto na
literatura. Garrett , um dos raros cultores do gênero, dentro de um modelo
bastante pessoal, muito distante de um Mojica, por exemplo. Surpreenderam-me,
no filme, as evidentes semelhanças com obras do cinema mundial anteriores e
posteriores: Os roteiristas – Garrett e Koszpeky – conheciam “Carnival of
Souls”? Não acredito, mas tudo é possível; e o que dizer de “Sexto sentido” e “Os Outros”,
dois filmes marcantes recentes que
trazem igualmente similaridades curiosas com o nosso obscuro filme nacional?
Uma crítica honesta publicada na época lembrou “Os Inocentes”, clássico inglês de
Jack Clayton, o que faz sentido remotamente. O fato é que é, talvez ,o filme mais impregnando pela atmosfera do fantástico em toda obra do
diretor, e talvez de todos os filmes brasileiros do gênero. Nada do que se
desenrola na tela, percebemos nas sequências iniciais, é real. O espectador é
imediatamente convidado a mergulhar no terreno do fantasmagórico e do
imaginário. Está claro, Garrett não esconde que há algo errado em toda a
situação vivida pelo escritor. A estupenda fotografia de Carlos Reichenbach –
que ele considerava a melhor que fez em toda a carreira como fotógrafo –
acentua com planos maravilhosos o clima opressivo e sombrio. Em suma: que bom, que esta obra
pode ser apreciada novamente por todos. No site do diretor e ator Claudio Cunha
o filme pode ser adquirido www.claudiocunhaproducoes.com.br
Um comentário:
Olá, Fernando!
Estou há dias procurando esse filme e me deparei com seu post. Infelizmente, o site do Claudio Cunha não existe mais, talvez devido a seu falecimento há alguns anos. O filme foi postado algumas vezes no Youtube, mas acabou sendo derrubado por violações às políticas que versam sobre sexo/nudez. Diante disso, venho perguntar-lhe se por acaso sua cópia é digital e se, de alguma maneira, poderia compartilhá-la comigo. Ou talvez saiba onde posso assistir ao filme.
Espero que este comentário chegue até você.
Obrigada desde já.
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