sexta-feira, 30 de março de 2012

Au rendez-vous de la mort joyeuse - 1973

Crescer à sombra de um monstro sagrado não é fácil. Exemplos de artistas que herdaram o talento dos pais não são assim tão comuns. É fato, não sei ao certo – de repente sempre foi assim - que se alguém resolve conferir a filiação de um artista vai descobrir que o fulano é filho de sicrano famoso. Nosso Brasil então a coisa parece até capitania hereditária, principalmente na música e no cinema, não é mesmo? Mas existem exemplos de filhos que conseguiram achar um lugar ao sol e sair da sombra do gigante que o colocou no mundo. O diretor Jean Renoir, é um bom exemplo, filho que era do pintor Renoir. No cinema temos Jacques Tourneur, filho de um diretor que famoso nos anos 30: mas quem hoje se lembra dele, Maurice Tourneur? Charlotte Gainsbourg parece que pegou algum talento dos pais sensacionais e vai dando seus passos . A divagação, meio confusa, está se dando a propósito do venerável e mitológico Luis Buñuel. Eu, particularmente o tive – e tenho, menos hoje talvez – como um ídolo: tinha tudo é quanto livro sobre e dele, tenho e vi todos os filmes, enfim, uma obsessão. Filósofo, poeta, muito além de um diretor. E curiosamente, nunca dei muito bola para a família, ainda que tenha chegado ao ponto de ler a autobiografia da esposa . E dia desses fuçando umas listas de melhores filmes franceses de terror de todos os tempos me deparei com o nome Buñuel, no meio. E claro que, não era o pai, mas o filho, que eu sabia desde há muito que tinha carreira própria como diretor. Ai fiquei espicaçado pelo demônio da curiosidade, baixei o filme aqui em questão, de um belo título em francês, aliás, e fui conferi-lo. Antes lembrar que a sombra gigantesca do pai monstruoso pesou sim na carreira de Juan: ele só dirigiu quatro longas para o cinema e se dedicou à TV francesa até 1996; afora isso se limitou a percorrer festivais pelo mundo apresentando os filmes...do pai. Começou a carreira no cinema com outro monstro: Orson Welles, como interprete e assistente, nas filmagens do inacabado “ Dom Quixote”; posteriormente trabalharia com o pai em alguns dos seus clássicos até encarar a direção, com um curta dedicado aos tambores de Calanda, terra natal do pai. Mas ao contrário dele , Juan optou pelo cinema de gênero, e no caso aqui, o fantástico e o terror. Absorveu é fato muitos elementos da cinematografia paterna. Assim como nos filmes do pai, prescinde da música para criar efeitos. Aliás, ela só surge no filme indiretamente quando a garota está ouvindo um rádio. Buñuel nunca foi muito fá de música em seus filmes, até pelo fato de que era meio surdo. A narrativa começa lentamente, estudada, concentrando-se em pequenos e ,aparentemente, detalhes banais - cordas, lama - , que só ganharão significado posteriormente. Uma família intelectual - o pai, artista, e a esposa, romancista, e o um casal de filhos – uma garota bonita adolescente e um menino de seus 9 anos, pentelho – mudam-se para um paraíso no campo. Uma bela mansão, quase um castelo. O sonho burguês de tranquilidade para criar e descansar tornado realidade. Mas não tarda muito e ela começa a ser quebrada por fenômenos inexplicáveis, mais e mais assustadores. Normalmente personagens em filmes de terror de casas mal assombradas, estupidamente nunca fogem. Não no filme : a família cai fora assim que fica claro que a casa era um pesadelo. Voltam para Paris. E entra em cena Peron, amigo da família, apresentador de um programa de variedades, que resolve ir até lá e realizar uma matéria investigativa sobre casas mal- assombradas. Leva com ele a equipe de filmagem, um deles interpretado por Gerard Depardieu, naquela época ainda sem o renome que alcançaria. Tudo parece tranquilo, mas eis que a filha do casal, Sophie (Yasmine Dahm) regressa inesperadamente á mansão. E na mesma noite um padre surge, guiando 10 meninas meio estranhas, pedindo abrigo na casa. A partir daí os acontecimentos surreais são deflagrados, cada vez mais bizarros e histéricos, sempre inexplicáveis. Sabiamente o terror é baseado na sugestão. O senso do terror e do mistério no cotidiano. Atmosfera onírica,gótica, um conto de fadas para adultos, inquietante e opressivo. A realidade mágica. A narrativa escapole de efeitos assustadores fáceis, caros aos americanos e italianos, por exemplo, com a economia visual herdada do pai genial. Aqui e ali o diretor agrega e deixa pistas para o espectador: é evidente a um olhar mais atento que temos uma metáfora da puberdade da adolescente, a explosão da sexualidade. Em algum lugar achei um jogo de palavras com uma obra do pai que serviria perfeitamente para este filme: o fantasma da puberdade. Filho de peixe, peixinho é: e piadas anticlericais não podiam faltar. O padre – a cara do Lacan, aliás – era um exorcista, e inutilmente tenta espantar o mal da casa. E em uma cena ambígua é visto, pelo buraco da fechadura, deitado na cama abraçado com duas garotinhas. O filme, não se esgota em uma única visão, dada a riqueza de sugestões que oferece. Uma abordagem original , sem dúvida, da velha história de uma casa mal-assombrada. Para os interessados tem torrents dele no pirate bay.

sábado, 24 de março de 2012

The Curious Female - 1970

Com apenas dois filmes no currículo como diretor, Paul Rapp tem, no entanto, uma relativa importância no universo do cinema, mais precisamente no filme B: foi produtor de vários filmes do papa B Roger Corman. Além disso, o filme esportivo(?) deve também muito à ele, pois foi um dos inovadores no uso das câmeras no documentário que realizou “Go for It”. Como produtor trabalhou também Scorsese em seus primeiros filmes. Seu único trabalho de ficção foi, presumo um trabalho de curtição – como diriam os antigos -, sem muitas pretensões. Com certeza a intenção era explorar o fértil terreno dos “nudies” dos anos 60: filmes de apelos sexuais, alguns até explícitos, atores mixurucas, produções precárias, enfim, quem acompanha as edições da distribuidora de DVDs americana Something Weird – principalmente - sabe bem ao que estou me referindo. Como produtor do filme um nome ilustre para os familiarizados com a seara exploitation americana dos anos 60 e 70: Joe Salomon. Confesso que fui conferir este filme sem muitas expectativas, imaginando que até ia abandona-lo pela metade: uma produção simplória e apelativa. Mas surpresa! Acabei topando com um filme inteligente e muito, muito engraçado. Uma comédia cheia de irreverência, ângulos e nuances. O mix de ficção-científica e sexo nem é tão original. É curioso que essa mistura era até comum naquela época, com resultados díspares em qualidade. Listar os filmes aqui ocuparia muito espaço: até resenhei um há tempos, na verdade um filme inglês, realizado alguns anos depois. O auge desse mix ficção e sexo dar-se-ia nos anos 80, com o explícito e criativo “Café Flesh”. A ação se passa no - nem tão distante mais - ano de 2177. Todo o planeta parece que está dominado por um computador monstruoso. A sexualidade humana completamente modificada. Para a distração, secretamente, algumas pessoas exibiam antigos filmes sexploitation. E é numa dessas seções que tudo se desenrola: um casal exibe a mais nova aquisição. Pois então temos, de fato, duas linhas narrativas: a época em que o filme está sendo exibido para a turma ali na orgia, e o filme que eles estão assistindo. Nos instantes em que os rolos são trocados o pessoal fica ali fazendo perguntas sobre os hábitos sexuais, para eles bizarros do nosso tempo, tais como casar, ter filhos, homofobia ( estávamos nos anos 60) e outras coisas mais, que veem no filme assistido. E a trama do filme exibido é hilária: uma agencia de encontros, que utiliza um computador para cadastrar e procurar pessoas consegue a proeza de encontrar em Los Angeles três mulheres virgens! Antes que me esqueça: o nome do filme exibido é “As Três Virgens”. Vários atores que aparecem na exibição são os mesmos que atuam no pretenso filme exibido. As gags visuais e os diálogos mordazes e cínicos. Em suma: uma farra. Considerando que naqueles anos, em que o filme foi realizado ainda estávamos distantes da invasão tecnológica- virtual- midiática-facebokiana e etc na vida de todos ( e que parece só aumentar) , é curioso que possa soar profética ,em linhas gerais, esse despretensioso exemplar da sexploitation americana. .A turma que o produziu deve ter dado boas gargalhadas. Felizmente, para o espectador, a diversão é compartilhada

quarta-feira, 21 de março de 2012

La Fiancée du Pirate - 1969

Nelly Kaplan uma cineasta de carreira única. Nascida na Argentina de uma família de judeus russos, emigrou para a França .Foi amante de Abel Gance, que a introduziu no cinema. Com o diretor de " Napoléon" trabalhou em produção, assistente de direção e como atriz. Somente nos anos 60, pelas mãos do produtor Claude Makovski teria oportunidade de dirigir o primeiro longa-metragem, objeto da resenha de agora. Antes da carreira no cinema já tinha reputação no mundo da literatura com uma série de poemas e novelas, sempre de cunho erótico que haviam chocado. Tiveram, obviamente problemas com a censura. Mais do que Influenciada pelo surrealismo, pode-se dizer que ela foi dos últimos epígonos do movimento. Foi, por exemplo, amiga - amante? -de André Breton, fundador do movimento, que conheceu na década de 50 em uma exposição. Em 1996 recebeu homenagens da cultura francesa oficial pelo conjunto da obra. Irônico, dado o caráter quase secreto de boa parte dela. É provável que o filme aqui, seja seu trabalho mais divulgado no fim das contas. Ainda assim obra de parca repercussão junto à crítica, dado sua singularidade na história do cinema francês dos anos 60. A mais próxima analogia seria, para efeito de comparação, com os filmes da fase francesa de Luís Buñuel, de quem compartilha os ideais estéticos surrealistas. E ao contrário - em outra ironia - de obras dos pares da nouvelle-vague que soam em boa parte datadas vistas agora, não vi sinais de envelhecimento nessa garrida e safada noiva do pirata brechtiana. Acredito mesmo que o filme continue a guardar sua energia para incomodar e fazer o espectador remexer o rabo no conforto da poltrona. Definitivamente longe de ser um filme de shopping : corre-se o risco de engasgar com a pipoca, para dizer o mínimo.
Bernadette Lafont, que brilharia em “La Mamain et la Putain” de outro maldito, Jean Eustache, aqui resplandecia como Marie, uma jovem camponesa filha de uma cigana e empregada em uma fazenda. Um “quê “ de Celestine, a personagem de Jeanne Moreau, no clássico de Buñuel “Journal D’une Femme de Chambre”- também filmado também por Renoir. A patroa lésbica abusava sexualmente dela, sem contar o empregado meio pamonha. Habitava uma cabana no bosque na companhia de um bode negro. Uma figura do século 19: nada de luz, água encanada, telefone ou conforto. A mãe tinha fama de bruxa e morre em um acidente mal explicado. A tragédia tira a jovem cigana da pasmaceira zona de conforto em que vivia. E decide, digamos assim, partir para a guerra contra o povo da cidadezinha próxima. Para isso a arma mais velha do mundo: o sexo. Torna-se uma puta – cobrando 30 francos de todos os homens locais ou de passagem. Só transou de graça com um imigrante que trabalhava no campo, e o fez diante de alguns homens da aldeia. À medida que enriquece vai transformando a cabana miserável em que vivia em um local absurdo, surreal, atulhado de objetos: discos, telefone, roupas, relógios, e outros mais. E sempre fazendo de gato-e-sapato todos os homens da cidade. Só demonstra algum afeto para com um exibidor de filmes itinerante que sempre passava pela cidade. Homenagem ao cinema? Hipocrisia, carolice, estreiteza mental, racismo, mediocridade, estupidez: contra um universo sufocante como esse só mesmo humor negro, impertinência, deboche, irreverência surrealista explodindo e arruinando tudo, corroendo. Humilhados e ofendidos entoando o seu canto. A diretora definiu seu filme como a história de uma bruxa dos tempos modernos que não foi queimada na fogueira pelas pessoas, mas, ao invés disso, ela é quem as queimou. Alusões brechtianas: o título do filme se refere a uma canção de Brecht extraída da “Ópera dos três Vinténs” e a canção cantada ao longo do filme, pela cantora Bárbara, também foi extraída dessa mesma peça. O nome da cidade fictício de Tellier é uma citação ao conto de Maupassant, que, aliás, trata de um grupo de putas. O diretor Louis Malle faz uma pequena ponta.

domingo, 18 de março de 2012

Berkeley Square - 1933

Um filme de reputação singular. Esteve dado como perdido durante décadas, e somente nos anos 70 foi encontrada uma cópia, da qual surgiram péssimas edições copiadas de exibições em TV – se alguém deseja ter uma noção é ir no You Tube, e constatar a porcaria . Menos mal que recentemente realizaram um trabalho de recuperação e hoje é possível conseguir cópia mais decente, guardadas as devidas proporções. Mas é sobre outros dois detalhes que repousa o seu lugar na história, ou melhor, nas histórias: da literatura e do cinema. Na primeira, porque era o filme favorito de Lovecraft, que o assistiu pelo menos quatro vezes, e lhe inspiraria a escrever a novela ”A Sombra vinda do Tempo”, para muitos, a sua melhor obra; o posto na história do cinema – independente de quaisquer qualidades – reside no fato, de que foi o primeiro filme a abordar o tema da viagem no tempo. O diretor Frank Llloyd, hoje meio esquecido, mas de reputação nos primórdios do falado, adaptou uma peça escrita por John Balderston, autor do roteiro também. Lembrando que este tem no currículo a peça teatral que inspiraria a primeira versão de Drácula, com Bela Lugosi, e dirigida por Tod Browning. Por sua vez, a peça foi inspirada numa novela de Henry James, “The Sense of the Past”.Filmes dos anos 30 podem assustar espectadores atuais: são mais estáticos, muitos diálogos, sempre em estúdios, e aqui neste filme não é muito diferente. Leslie Howard, um dos astros da época – atuaria em “O Vento Levou” – é um americano, na Inglaterra, que herda uma casa na Berkeley Square, e fica obcecado pelo antepassado homônimo proprietário da casa, que vivera lá após a independência americana. A obsessão acaba por fazê-lo crer que apenas com a força da mente, seria capaz de regredir à época do antepassado. Uma ideia que seria utilizada décadas depois no filme ”Em Algum Lugar do Passado”, baseado em romance do ótimo Richard Matheson. O filme abre com uma questão interessante: “quantos de nós desejariam poder fugir da monotonia e chatice do presente no glamour e romance do passado? Mas se pudéssemos regressar no mistério do passado, encontraríamos contentamento ou infelicidade?”. Quem viu o recente Woody Allen, “Midnight in Paris” vai lembrar que a premissa é a mesma.
E nosso herói volta, com a força do desejo, ao passado, na pele do antepassado. Não tarda muito em perceber que o passado não era fácil. O choque cultural é impactante: diferenças linguísticas assustam a todos, comportamento, hábitos – os ingleses se espantam com o fato dele tomar banho todos os dias – e terminam por tomá-lo por uma espécie de demônio, já que ele sempre parecia conseguir prever o futuro. E para piorar, seu ancestral estava prometido a uma moça chamada Kate, mas ele se enamora da irmã dela, a delicada Helen. Fica perdido entre as duas épocas: ao mostrar o futuro á amada, esta se horroriza com o que viu nos seus olhos e, sabiamente, prefere continuar no seu tempo. Só resta a ele regressar e permanecer infeliz e solitário esperando um dia se reunir à amada na eternidade. O maravilhoso “Peter Ibbetson”, de Henry Hathaway, realizado dois anos depois exploraria mais a fundo essa ideia do amor além da morte. Finalizando com o comentário de Lovecraft a respeito do filme: “É a materialização mais estranhamente perfeita das minhas próprias inclinações e pseudomemórias que já pude ver. Durante toda a minha vida tive a impressão de que eu poderia acordar desse sonho de uma era vitoriana idiota e da insana era do jazz na realidade salubre de 1760,1770 ou 1780...”. Como lembrei anteriormente o filme pode ser baixado no You Tube, mas a cópia é medonha, e não aconselho, mas no Pirate Bay tem um torrent com seeds bem melhor. Vale a curiosidade. Em 1951 seria refilmado por Roy Ward Baker com o título de “The House in the Square” e Tyrone Power no elenco. Um último registro curioso: no mesmo local, Em Berkeley Square, onde se passa a ação do filme, existe uma casa famosa por ser mal-assombrada.

sexta-feira, 16 de março de 2012

A Dama de Branco - 1978


Ficar arengando sobre falta de memória nossa cansa, mas é inevitável, é claro, se vamos escrever sobre filmes brasileiros. Temos que conviver com isso, faz parte. A nossa crítica oficial escolheu determinada linha de filmes e que sobrou , que não se coadunava com os padrões estabelecidos de ideologia e estética , foi empurrado para debaixo do tapete. E dá trabalho levantar o tapete, ah se dá. Isso não ocorreu só no cinema né? Na música popular foi a mesma coisa: quem não entrava na estética bossa nova ou tropicalista, preferencialmente esquerdóide, foi limado das páginas das histórias oficiais. Mas não vamos nos estender sobre isso, pois afinal daria um livro. Aqui estamos com um filme interessante da década de setenta. Um gênero pouco praticado no nosso cinema, como de resto quase todos os gêneros: o melodrama. Como passou no excelente Canal Brasil, acabou caindo na net, e creio mesmo que exista edição em DVD. Mas as informações são escassas. O diretor Mário Latini, ao que tudo indica ainda está vivo. Mas nunca mais fez nenhum filme depois desse. Não foi produção da Boca e a Embrafilme se limitou a distribuição. No elenco a cara conhecida de Rubens de Falco, que conta o diretor, foi escolhido pela popularidade graças à novela “Escrava Isaura”, onde interpretava o malvado Leôncio. No nosso filme ele é bem mais simpático. É Maurício, um sujeito, que vem ao Brasil do Marrocos, a passeio, visitar o amigo: Heitor, um rico industrial que leva um casamento infeliz e entediante com Marta ( Anna Zelma ), mas tem vida de fauno. Na garçoniere que mantem na Vieira Souto, à beira da praia, leva suas amantes. E é lá que deixa o amigo hospedado. As coisas saem dos conformes quando a esposa descobre a existência do apartamento e vai lá para conferir. Naturalmente encontra lá por acaso o amigo do marido vindo do Marrocos. Em dois tempos se enamoram, sem que Maurício imaginasse que a mulher, que adotara o nome de Ana, seria ,na verdade, a esposa do amigo. Os encontros vão se sucedendo. Em boa e irônica sacada do roteiro o amigo Maurício aguça a curiosidade libidinosa do amigo marido chifrudo – naqueles habituais papos masculinos sobre conquistas - , que não suspeitando ,nem de longe, que aquela maravilha toda que o amigo elogiava era a própria esposa, começa a fantasia-la e deseja-la.

Uma situação quase decamerônica, por assim dizer e levada com elegância e discrição pelo diretor. Falei de uma boa sacada, mas a outra da garotinha, vizinha do casal, fica ali meio perdida na trama: a mãe era também amante do tarado, e só. Muito adultério e sexo, mas ao contrário do que poderiam esperar os detratores do cinema nacional, sempre com a frase “só tem muié pelada”, o filme é casto, castíssimo, como diria o filósofo José Dias, de saudosa memória. No geral um melodrama curioso e realizado com competência. A esposa ,na vida real do diretor,atua no filme como Ângela Berg, e foi autora do roteiro, além de assistente de direção. Antes desse filme Mário Latini havia realizado outros quatro títulos, dois deles no gênero policial. O irmão Anélio Latini dirigiu o primeiro desenho animado nacional em 1951, “Sinfonia Amazônica”, e Mário foi o câmeraman. Depois desse filme não fez mais nada e desapareceu. Alguém saberia onde anda Mário Latini?

segunda-feira, 12 de março de 2012

Brute Corps - 1972


Depois de assistir um filme como este é impossível não resistir à tentação de comentá-lo. Há uma semana não sabia da sua existência e só após ler, por acaso, uma resenha, em um blog espanhol, Cine de Medianoche, resolvi conferi-lo. Graças ao divino Cinemageddon achei uma cópia, infelizmente ripada de algum VHS francês meio ruim. Pelo que pesquisei já existe edição decente em DVD nos EUA. Menos mal. Direção de Jerry Jameson, de copiosa produção na TV em séries e filmes, mas para a telona poucos filmes. O elenco é composto por caras pouco conhecidas do grande público, para os mais atentos e afeitos ao universo dos filmes vagabundos dos anos 60/70 nem tanto: Paul Carr, Joseph Kaufman e a loirinha Jennifer Billingsley, se destacam no elenco.
A produção de orçamento ínfimo(felizmente). A ação, por exemplo, supostamente se passa no México, mas foi mesmo filmada nas periferias de Los Angeles. E que temos é a perfeita metáfora do grande combate americano que rolou nos anos 60 e virada dos anos 70: hippies “Love and Peace” de um lado, e a guerra do Vietnam, do outro. Dezenas de filmes foram gerados abordando a questão: lembremos “Hair’, por exemplo. Mas aqui o buraco é mais em baixo. Dedos crispados na garganta, prenda a respiração, prepare-se para o chute no saco, ainda bem que você fumou um baseado antes: são as sensações que as imagens do filme causam. Um casal de hippies perambulando pelas estradas mexicanas – ela, adepta do amor livre e das drogas, ele, fugindo do recrutamento para a guerra e pacifista – e viajando de carona. Na mesma estrada um grupo soldados mercenários sádicos, que se dirigiam para algum pais da América Central para um trabalho sujo. No caminho cruzam com um bando de motoqueiros metidos a besta - que numa cena de humor negro - são fuzilados sem dó nem piedade, depois de zombarem de um dos mercenários que cagava sossegadamente. Para azar do casal riponga, o destino faz com que cruzem com o bando de mercenários. Imprudentemente aceitam o convite de um deles – justamente o mais sádico de todos ! – para visitarem o acampamento que haviam montado nas cercanias de um vilarejo. O tipo de convite que estava mais para uma cilada e pesadelo. Os mercenários tarados logo partem para cima da loira sonsa, que é currada por vários – depois que é disputada em um “torneio” - e tratada como um animal sexual; o companheiro depois de ser espancado, consegue fugir. Para a sorte dele, um dos mercenários, Ross, não era um mau sujeito e o ajuda. No vilarejo o hippie tenta obter ajuda do xerife poltrão e dos moradores, sem sucesso. O jeito foi regressar ao acampamento e ,mais uma vez contando com a ajuda de Ross, mata o sádico que mantinha a moça prisioneira. O Hippie, a moça e o mercenário tentam escapam pelas montanhas, com os mercenários no encalço. Nas ruas empoeiradas do vilarejo mexicano se dá o embate final com resultado desesperado , quase “peckinpaniano”.

sábado, 10 de março de 2012

Glykia Symmoria - 1983


Como já lembrei até filme da Turquia nada mais justo que eu teça algumas linhas sobre um filme grego. Nikos Nikolaidis, falecido recentemente, filmografia pequena, foi um desses diretores da estirpe dos radicais. Ou seja, da turma de Bunuel, Zulawski e outros tantos, que me fogem os nomes nesse momento. Como ele mesmo declarou certa vez, não fazia filmes para se assistir com conforto em um sofá. São obras que incomodam. Sua obra-prima “Singapore Sling” conseguiu ultrapassar as fronteiras helênicas e pode ser encontrado aqui e ali, acho que até tem em blogs nacionais. O filme que relembro, lançado no mundo como “Sweet Bunch”, é outro trabalho de méritos, que se não é tão bom quanto a citada obra-prima merece os louvores de quem aprecia o cinema que fuja do convencional. Um bom exemplo da arte do diretor grego. Alguém o comparou ao filme de Jacques Rivette e seu filme “A Gangue dos Quatro” – que não conheço -, me veio também à memória “Os Imorais” de Stephen Frears, guardadas as devidas proporções, e também os filmes sixties de gangster do francês Jacques Benázeraf. A experiência que o espectador tem aqui é mais perversa e radical. Um bom exemplo do cinema enquanto pesadelo surrealista. Quatro escroques: dois homens e duas mulheres. Vivem juntos em uma estranha casa nos subúrbios de Atenas e se dedicam a golpes variados aqui e ali. A ação se concentra nos últimos cinco dias do grupo: a casa está permanentemente vigiada por um estranho homem louro, sempre calado. Quem é ele ? É um policial, um gangster, estão atrás de alguma coisa? Não está só: vez ou outra aparecem outros, sempre silenciosos. Não sabemos.

O diretor privilegia o humor negro e a ambiguidade nos diálogos e situações. E ironicamente a narrativa é meticulosa e detalhista, se concentrando em cada objeto da casa surreal onde os quatro se abrigam depois dos golpes. O diretor se referiu ao filme como uma melodia desconhecida que vem de súbito à mente, assoviamos sem saber bem de onde a lembramos, e depois ela some da mente, e certa noite despertamos e tentamos relembrá-la, sem conseguirmos e então nos deixa desapontado. Com bom humor ele relatou que antes do início das filmagens parentes de Che Guevara o procuraram e pediram para examinar o roteiro para aprová-lo!

quinta-feira, 8 de março de 2012

Hell Bound - 1957


Outro “pequeno” noir que comprova asserção citada aqui mesmo, de que é em um pequeno e "vagabundo" filme que, muitas vezes, encontramos insights do bom cinema. Orçamento exíguo, atores desconhecidos ou inexpressivos, diretores esquecidos pelos cultores do “cinema de autor”, o que vale aqui é a criatividade, talvez uma sequência somente, um plano, a presença de uma atriz do qual nunca ouvimos falar antes ou uma boa sacada de roteiro. Este thriller rápido – 69 minutos – é um bom exemplo. Direção de William J. Hole Jr. 25 filmes no currículo, terminou a carreira dirigindo a série “A Mulher Biônica”, lembram- -se? Os mais velhos lembram-se dela. Diga-se passagem que o filme resenhado aqui foi um dois filmes que dirigiu para a tela grande! O início não prometia muito: parecia que estava diante de mais um dos muitos filmes “noir” dos anos 50, que utilizavam uma narrativa pseudo- documentário. A narrativa em off vai narrando o que parece ser um golpe em um navio da marinha americana, que termina com o roubo de um pacote de narcóticos valiosos. Fade-in e surpresa! Este cinejornal não passava de um filme encenado por um malandro, o ator John Russell, que com que este recurso estava procurando convencer uma companhia desonesta a apoiar seu golpe encenado. Nosso pilantra era também um cineasta. O espectador é convidado a mergulhar em um thriller metalinguístico inimaginável. Mas entra em cena, se oferecendo para participar do golpe, um elemento perturbador e inesperado : a sensacional namorada do chefão da empresa, Paula, interpretada pela sexy June Blair. A gata foi playmate em 1957. Faz muito tempo.

Estava no auge da beleza no filme :uma sensualidade exuberante. No começo ela é parece ser mais uma típica loura candidata a “femme fatale” de filme noir: se finge de enfermeira – exigência do golpe -, abandona os vestidos e joias, vai morar num apezinho vagabundo com a cumplice do golpista. Mas tinha pendores ninfomaníacos e vai dando de cima de quem estava na frente. E inesperadamente cai de amores pelo colega de trabalho, motorista de uma ambulância, interpretado pelo conhecido Stuart Whitman. É evidente que a história de amor leva o filme/golpe perfeito para o buraco , pois com o amor chegam as crises de consciência. O nosso “diretor” não havia ensaiado muito bem os seus atores golpistas e como seria de se imaginar filme e realidade traçam caminhos opostos e tudo termina em pesadelo, em poeira, em nada.

terça-feira, 6 de março de 2012

The Night God Screamed - 1971


O penúltimo filme de Jeanne Crain, uma das divas menores do cinema americano clássico nos anos 40 e 50, que como outras que já lembrei aqui anteriormente, acabaram em filmes Bs. Menos mal que ao contrário do vexame da lourinha Veronica Lake em “Flesh Feast”, por exemplo, estrelou um filme de méritos. O diretor Lee Madden foi mesmo um especialista em “biker’s movies” – gênero que teve o auge com “Easy Rider” – e nesta seara realizou um filme estrelado pelos Hell’s Angels, entre outros. Aqui o universo retratado, apesar de tudo, dos não difere muito daquele dos motoqueiros, pois estamos diante de uma trama que envolve hippies fanáticos e religião. Fanny (Jeanne Crain) e o marido decidem mudar o foco do negócio a que se dedicavam. Ele, um pastor, decide abrir uma igreja imaginando que assim poderia faturar mais, já que o negócio de servir comida para pobres não ia lá muito bem. No caminho para a nova cidade cruzam com um grupo de hippies de uma seita religiosa. O líder do bando - a cara de Jesus Cristo - fica fascinado pela cruz que o pastor ia utilizar para decorar a nova igreja e resolve fazer uma visita “cordial” durante o primeiro culto. Quando o pastor fica sozinho é atacada pelos hippies e crucificado na cruz. A esposa, escondida, presencia toda a horrível cena e durante o julgamento, com seu testemunho, provoca a condenação à morte dos loucos. São óbvias as referências ao caso Charles Manson que abalou a contracultura americana nos anos 60. A condenação deles vai significar o início do pesadelo para a viúva do pastor. Aceita um convite de trabalho: o juiz do julgamento lhe oferece um emprego de baby sitter dos filhos marmanjos. O orçamento modesto acabaria possibilitando ao diretor se utilizar da sugestão, fugindo de soluções óbvias, quando os seguidores do hippie cercam a casa e passam a aterrorizar Fanny e os filhos do juiz. O final é ambíguo e surpreendente Um pequeno e singular filme de terror que aguarda uma revisão mais atenta.