sábado, 9 de junho de 2012

Baby Face - 1933

Lendo um dos capítulos do livro de Peter Biskind, “Como a geração sexo, drogas e rock’roll salvou Hollywood ”(ed. Intrínseca) sobre as filmagens de “Bonnie and Clyde’ de Arthur Penn, um dos momentos curiosos e divertidos relatado é quando os produtores tiveram que exibir o filme para um padre e o dito cujo ficou escandalizado com o vestido usado por Faye Dunaway, pois segundo o religioso este mostrava que ela estaria sem calcinha por debaixo dele. Parece piada, mas até meados nos anos 60 os produtores eram obrigados a submeter os filmes a uma liga de censura de origem católica que podia vetar quaisquer detalhes que insinuassem sexo e outros pecados, taras e anomalias. Cômico e absurdo, mas foi com isso que cineastas e produtores em Hollywood tiveram que conviver desde 1934 quando foi criado o Código Hays até 1966, mais ou menos. Por isso filmes americanos realizados antes desse ano costumam ser elucidativos e interessantes como é o caso desse aqui que relembro. Se não é um clássico tem atrativos suficientes para ainda ser apreciado. Temos Barbara Stanwyck no auge da juventude e beleza, no papel de Lilly Power, a Baby Face do título, que não tem escrúpulos em ascender socialmente usando a arma mais letal que as mulheres possuem desde os tempos de Adão e Eva: o sexo. O curioso é que esta estratégia utilizada pela moça tem um viés filosófico: a inspiração vinha da leitura das obras de Nietzsche, que um amigo alemão lhe havia emprestado. A vida para a moça não fora fácil. Desde os 14 anos era prostituída pelo próprio pai, durante os intervalos em que tinha que trabalhar como garçonete em um boteco ilegal. Não esquecer que naquela época a venda e o consumo de bebidas alcoólicas eram proibidos. A sorte da mocinha muda quando o pai gigolô morre em acidente no bar. O jeito é se mudar da cidadezinha sulista onde vivia, acompanhada por Chico (Theresa Harris), que apesar do nome era mulher e negra, e partir para Nova York. A ascensão é tão rápida quanto um ato de strip-tease: a mocinha, sempre se fingindo de sonsa e santa, vai galgando os andares do edifício , sede do banco onde conseguira trabalho: de em cama em cama - ou no escritório ou banheiro mesmo, segundo a conveniência - obtendo joias e residências mais e mais sofisticadas à medida em que os amantes vão se tornando mais importantes. Em apenas 2 semanas consegue conquistar o chefe supremo do banco e tem a cidade aos seus pés. Infelizmente uma tragédia causada por ciúmes entre um ex-amante e o banqueiro quase põe tudo a perder e é enviada para Paris: um jeito que os chefões encontraram de abafar o escândalo que se seguiu. John Wayne pode ser visto em uma ponta como um dos empregados do banco, papel muito distante com o qual ficaria conhecido pouco depois nos faroestes com John Ford, entre outros. Apesar dos tempos de pré-código tudo se resolve de maneira moralista, claro que com uma dose de cinismo e cara-de-pau: a amargura e raiva “nietzschiana” da nossa heroína são redimidas quando encontra o amor puro e verdadeiro.Resumo da ópera: um filme indicado para estudantes de filosofia admiradores de Nietzsche e também para entender como era o cinema americano antes da censura. Um raro cruzamento entre putaria e filosofia de almanaque. Inolvidável. A direção coube ao subestimado e prolífico Alfred E. Green, que dirigiu 114 filmes em toda a sua carreira . A versão que temos agora só pode ser conhecida mais de 70 anos depois, em 2003, já que quando foi exibida na época a censura de New York exigiu cortes e mudanças . O filme pode ser encontrado no Pirate Bay sem problemas.

Um comentário:

Viviane Wehdorn disse...

Muito legal o texto! Quero assistir!